sábado, 1 de agosto de 2009

Vale do Pip-Nuk, o “Canaã Veneciano”: Vestígios de uma saga de 117 anos (1892-2009).

Cartão Postal confeccionado para a campanha “S.O.S. Pip-Nuk”, articulada pelos moradores da região. A Cachoeira de São Roque do Pip-Nuk, como é mais conhecida, é um Patrimônio Natural de Nova Venécia que quase desapareceu, devido à proposta de construção de uma barragem no rio Cricaré. Foto: Idáulio Bonomo [?], 2002.


Por Rogério Frigerio Piva*


Em 2002 comemoramos o centenário de publicação do romance “Canaã” do escritor Graça Aranha. Esta obra, referência da literatura brasileira do início do século XX, fala sobre os sonhos e esperanças dos imigrantes alemães em terras capixabas, tendo como cenário, o município de Santa Leopoldina, além de Santa Teresa, do vale do Rio Doce e arredores.

Todo o Espírito Santo foi rico em “canaãs” entre o final do século XIX e meados do século XX. No antigo município de São Mateus, o nosso “Vale do Canaã”, tinha outro nome, mas era povoado das mesmas esperanças. Era o “Pip-Nuk”, um trecho do vale do braço Sul do Rio São Mateus ou rio Cricaré, situado atualmente no município de Nova Venécia.

Há muito tempo, antes da chegada dos colonizadores europeus, essa região, já era habitada por índios da nação dos botocudo, a tribo dos Jiporok, que também eram conhecidos como Aymoré ou mesmo Pip-Nuk que, segundo alguns, seria o nome do último grande capitão (= líder) que estes possuíram antes de serem extintos no início do século XX. De sua passagem pela região restaram apenas os vestígios arqueológicos ainda por serem explorados e, até mesmo, a referência dos mais antigos a locais próximos a São Roque de Pip-Nuk, onde arranchavam, pois, sendo caçadores/coletores nômades, viviam se deslocando nas margens do rio Cricaré.

A referência aos Pip-Nuk, se preservou, mesmo com a chegada dos colonizadores. Depois deste breve esclarecimento, passemos para etapa seguinte dessa História, que começou no Reino da Itália, por volta do ano de 1891, quando, no dia 19 de Novembro, mais de mil imigrantes, no porto da cidade de Gênova, embarcaram no navio a vapor “Birmânia”, com destino ao porto de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo.

Após mais de vinte dias sobre o oceano Atlântico, desembarcaram na Hospedaria de Imigrantes da Pedra d’Água (onde hoje funciona o Instituto de Reabilitação Social – IRS), na baía de Vitória, no dia 10 de dezembro. Permaneceram na Hospedaria até os dias 15 e 30, quando as famílias de imigrantes italianos, destinadas aos núcleos coloniais de Santa Cruz e São Mateus, foram divididas em dois grupos, respectivamente, embarcados nos navios costeiros de bandeira brasileira, de nomes “Lúcia” e “Mayrink”, com destino ao porto da cidade de São Mateus.

Ao chegarem, algumas famílias se destinaram no núcleo colonial de Santa Leocádia, mas, a maioria, rumou para as fazendas da região da Serra dos Aymorés (atual Nova Venécia), principalmente para a fazenda da Boa Esperança (atual Serra de Cima), propriedade do Coronel e Comendador Matheus Gomes da Cunha, irmão do Barão de Aymorés. Provavelmente, chegaram no mês de janeiro do ano de 1892.

Nesta época, o Governo Estadual criou o Núcleo Colonial de Nova Venécia, a cargo do Dr. Antônio dos Santos Neves, que foi o Diretor responsável pela demarcação dos lotes, fatiados às margens do rio Cricaré, desde abaixo da atual cidade de Nova Venécia até a região conhecida por Boa Vista, bem acima do Pip-Nuk. Eram lotes com área de 300 mil metros quadrados, em plena mata virgem.

Para alcançar seus lotes, é possível que estas famílias tenham passado pelo córrego Boa Esperança, que, nessa época, já contava com alguns colonos brasileiros, sobretudo cearenses, como as famílias: ELIAS, LIMA, LOURENÇO e FIRMINO DA COSTA, dentre muitas outras. Por ali, os italianos alcançaram as margens do Cricaré, e foram habitar nos lotes daquela que ficou conhecida como “Seção de Pip-Nuk” do Núcleo Nova Venécia.

Ali viveram seus sonhos e suas tragédias, pois muitos pereceram naqueles primeiros anos, mas os sobreviventes fundaram a maior comunidade de italianos do município de São Mateus.

Dentre estes colonos pioneiros, que vinham, em sua maioria, das províncias de Pádova, Verona e Treviso, lembramos: LIVIO Giovanni, DELLAVEDOVA Pietro, MILLERI Luigi, OLIVIERI Eugenio, FRIZIERO Luigi, MAZARIN Dario, ZANON Antonio, CAPELLETO Francesco, VIDOTTO Luigi, GASPARINI Natale, BERCAVELLO Beniamino, PACCAGNAN Pietro, BRAIDA Giulio, BIRAL Antonio, CEBIN Marco, PUTTIN Giovanni, CONTARATTO Angelo, FONTANA Giuseppe, CALATRONI Angelo, BUSATTO Antonio, MARCARINI Andrea, LAVAGNOLI Lodovico, FERRUGIN Francesco, SABADINI Luigi, CHIAROTTI Pasquale, MESTRINELLI Francesco, SELVATICO Luigi, dentre outros, todos com suas respectivas famílias.

No ano de 1893, vindos de Vitória no navio “Bento Gonçalves” chegaram os “napolitanos” representados pelas famílias CEGLIA (hoje SELIA) e TAGLIAFERRO. E por fim, em 1894, também chegados no porto de São Mateus pelo navio “Lucia”, os “lombardos”: ROSA Pietro, PANZERI Giovanni e seu irmão PANZERI Silvestre, FRIGERIO Antonio, AIROLDI Giosuè, REDAELLI Caetano, também com suas famílias. Lembramos que, mais tarde, outros imigrantes italianos e migrantes brasileiros se deslocaram para o Pip-Nuk.

No início do século XX, as terras de Pip-Nuk foram consideradas as melhores e mais produtivas, pelo enviado do cônsul italiano da época, Sr. Rizzeto, que calculou cerca de 200 famílias habitando o Pip-Nuk (todas italianas), mais do que em qualquer outro lugar, em todo o antigo município de São Mateus.

Também, nesta época, migrantes de Minas Gerais também se estabeleceram ali como: Clarindo Pacheco Rolim, Francisco Luiz de Sá e Manoel Ferreira da Rocha.

Segundo o nosso saudoso Pe. Carlos Furbetta, em seu livro “História da Paróquia de Nova Venécia”, publicado em 1981, a primeira capela construída pelos imigrantes em Pip-Nuk, foi a de São Sebastião, que existia, primitivamente, na margem sul do rio, próximo do morro onde, no cume, ainda hoje, se encontram os vestígios do centenário “Cemitério de São Sebastião do Pip-Nuk”, local de repouso dos restos mortais de muitos patriarcas e matriarcas venecianos, e onde, no passado, existiu a sede da Seção do Pip-Nuk, terreno que hoje pertence a um descendente do imigrante Silvestre PANZERI. O Padre Furbetta, calculou que São Sebastião fosse do ano de 1917, mas documentos comprovam que a capela de São Roque, atualmente na propriedade do Sr. Augusto Frigerio, na margem norte do rio, seria de devoção mais antiga, pois, somente a imagem de São Roque, esculpida pelo imigrante Celeste Rizzo, que residia em Santa Leocádia, remonta ao ano de 1908.

A primeira capela de São Roque foi construída na margem sul do rio, no antigo lote da família MILLERI, que também adquiriu o secular sino dos fazendeiros da Serra dos Aymorés e recebeu a guarda da imagem de São Benedito, que pertencia a Álvaro Cunha, filho do cel. Matheus Gomes da Cunha.

Hoje, a capela, em sua quarta edificação, localiza-se na propriedade do Sr. Augusto Frigerio, nas proximidades da casa construída, no ano de 1929, por seu pai, o italiano - natural da comuna de Abano Terme, na província de Pádova - Giuseppe FRIZIERO (hoje Frigerio). A casa é um dos últimos exemplares de arquitetura italiana feita no Pip-Nuk, por esses italianos que lá se estabeleceram no início da década de 1890.

Vista panorâmica da região de São Roque do Pip-Nuk, tendo ao centro a antiga residência da família FRIGERIO, construída em 1929, pelo patriarca italiano Giuseppe Friziero, um dos últimos exemplares da típica arquitetura rural feita por imigrantes italianos em Nova Venécia. Foto: Rogério Frigerio Piva, 2002.
A antiga residência compõe com a capela de São Roque, a cachoeira no rio Cricaré e o vale, um cenário de rara beleza, que esteve prestes a desaparecer devido à ameaça de uma barragem, que iria colocar um importante sítio histórico do município de Nova Venécia, de baixo d’água, devido a um convênio entre a Prefeitura Municipal e a CESAN no ano de 2002.

Um patrimônio natural e cultural veneciano que esteve prestes a ser destruído, ou melhor, sepultado pelas águas, o que, felizmente, não se concretizou graças à articulação dos moradores que se mostraram contrários à "forma" como a obra estava sendo encaminhada.


NOTA: Outra versão do presente artigo foi publicada com o título “Canaã veneciano ameaçado pelas águas: Construção de barragem poderá submergir o remanescente histórico de uma saga de 110 anos (1892-2002)” no jornal “Folha do Estado” em 10/08/2002.


*Rogério Frigerio Piva é natural de Nova Venécia. Historiador graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisa sobre a História de Nova Venécia desde 1992. Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Trabalhou por 10 anos no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo onde ocupou diversos cargos. Atualmente é Professor de História e Filosofia do Centro Educacional Evolução.

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