sábado, 15 de agosto de 2009

101 Anos de São Roque do Pip-Nuk (1908-2009): A religiosidade popular no Canaã Veneciano

Capela de São Roque do Pip-Nuk em dia de festa no mês de agosto. A arquitetura simples da 4ª e atual capela, edificada em devoção a São Roque no Pip-nuk, sempre guardada pelo sino adquirido pelos MILLERI em 1909, há exatos cem anos atrás. Foto: Rogério Frigerio Piva, 1998.


Por Rogério Frigerio Piva*

No estado do Espírito Santo a devoção ao santo francês, nascido em Montpellier, na França, no ano de 1295 e cujo nome é Roque, possui muita popularidade, principalmente nos núcleos de colonização italiana. A sua festa é celebrada pela Igreja Católica no dia 16 de Agosto, época em que várias comunidades do interior promovem suas tradicionais festividades.
Existe no nosso estado, um município que possui seu nome. É São Roque do Canaã, emancipado a alguns anos do antigo município de Santa Teresa. Em nossa região, próximo à Nova Venécia, no município de São Gabriel da Palha, temos o povoado de São Roque da Terra Roxa. Cito apenas estes para exemplificar minha afirmação.

Em Nova Venécia os imigrantes também cultivaram essa devoção ao santo, tido como homem que cuidou do sofrimento humano (causado, pela peste que assolou a Europa de seu tempo) e, ao qual, é atribuída a seguinte frase: Desejo que todo aquele que invocar o meu nome fique curado e livre da peste.

No ano de 1891, no mês de dezembro, em Vitória, desembarcavam mais de mil imigrantes chegados do porto de Gênova, na Itália, vindos no navio Birmânia.

Após alguns dias na Hospedaria dos Imigrantes da Pedra d’Água (hoje penitenciária - IRS) situada na baía de Vitória, viriam para São Mateus de onde seguiriam para a região da Serra dos Aymorés (hoje Nova Venécia), onde se localizavam grandes fazendas de café, dentre elas a do coronel Matheus Gomes da Cunha, a fazenda Boa Esperança (hoje Serra de Cima) na qual a maioria deles se fixaria como diaristas ou meeiros.

Já corria o ano de 1892 quando o Governo do Estado criou o núcleo colonial Nova Venécia e colocou em sua direção o Dr. Antônio dos Santos Neves. Dentre as seções do núcleo, estava uma que se situava logo acima da sede (esta, conhecida como “Barracão”) e que fazia referência aos antigos habitantes da região, os índios da tribo Jiporok, nação Botocudo, conhecidos também por Aymorés. Era a Seção Pip-Nuk, nome que na língua borum, falada pelos índios, significa: eu não vi, e que a tradição oral registra como sendo o nome de seu último líder.

Mas o que destacamos é que no vale do rio Cricaré, no trecho conhecido por Pip-Nuk, floresceu uma das mais prósperas comunidades italianas do norte do estado, no século XIX e início do XX. E este, constitui hoje um dos sítios históricos mais importantes do município de Nova Venécia, tão importante quanto a região da APA da Pedra do Elefante.

Naquela época (1892) o Governo do Estado, dividiu o vale em lotes retangulares com área de 300.000 metros quadrados e os distribuiu a famílias de imigrantes que após algum tempo deveriam pagar suas dívidas geradas pela aquisição do lote.

Os colonos italianos pioneiros no Pip-Nuk foram àqueles chegados no navio a vapor italiano Birmânia, em dezembro de 1891 e, dentre eles, lembramos, para tirar do anonimato, as famílias: LIVIO, DELLAVEDOVA, OLIVIERI, FRIZIERO (hoje FRIGERIO), MAZARIN, ZANON, CAPELLETO, VIDOTTO, GASPARINI, BERCAVELLO, PACCAGNAN, BRAIDA, BIRAL, CEBIN, PUTTIN, CONTARATTO, FONTANA, CALATRONI, BUSATTO, MARCARINI, LAVAGNOLI, FERRUGIN, SABADINI, CHIAROTTI (hoje CHEROTTO), MESTRINELLI, SELVATICO e MILLERI.

Impossível não falar dos MILLERI, pois foi pela devoção dessa família que surgiu a capela de São Roque no Pip-Nuk, uma das mais antigas de Nova Venécia.

A família MILLERI, na época de sua chegada, era composta pelo patriarca Luigi, sua esposa AVOGARA Marianna e mais seis filhos, dentre eles, Serafino que tinha apenas cinco anos de idade quando chegou. Vinham de um lugar chamado Soave, na milenar província de Verona, pertencente à região do Vêneto, no norte da Itália.

Os MILLERI tinham um lote colonial, situado na margem direita do rio Cricaré, um pouco acima da cachoeira do Pip-Nuk onde ergueram a primeira capela de São Roque do Pip-Nuk, no ano de 1908. Compraram o sino, que ainda hoje é utilizado na capela, pela quantia de cento e cinqüenta mil réis paga ao Sr. José Valentim da Silva, representante do Dr. Arlindo Gomes Sudré, que devia ser o proprietário do mesmo, conforme recibo assinado por ele em 1º de setembro de 1908. Esse sino é centenário e, segundo alguns, teria pertencido a fazenda do Barão de Aymorés.

No ano de 1908, foi esculpida pelo imigrante italiano Celeste Rizzo, escultor que residia em Santa Leocádia, há aproximadamente 23 km de São Mateus, a imagem de São Roque, toda em madeira. Quanto à imagem de São Benedito, esta, pertencia à fazenda Boa Esperança e foi entregue aos MILLERI por Álvaro Gomes da Cunha, filho do coronel Matheus Cunha como atesta uma carta que data de 05 de março de 1909.


Detalhe do altar da capela de São Roque do Pip-Nuk. Além da típica escultura de São Roque feita em madeira pelo imigrante Celeste Rizzo, em 1908, existem outras como a de São Benedito, também centenária, que pertenceu a capela da Fazenda Boa Esperança do Coronel Matheus Cunha e que foi doada pelo filho deste, Álvaro, em 1909 para capela dos Milleri. Imagens de Nossa Senhora e do próprio Cristo, estas bem mais recentes, também fazem parte do acervo da capela que, desde os anos 1960, encontra-se na propriedade da família de Augusto Frigerio. Foto: Rogério Frigerio Piva, 1998.

È provável que antes de 1908, já houvesse algum capitello, uma espécie de oratório, como era o costume. Sabe-se que no caso da Capela de São Sebastião, situada mais acima e contemporânea a São Roque Pip-Nuk, o capitello existiu. Quanto à capela de Santa Rita, já no Alto Pip-Nuk, esta é de construção bem mais recente.

O Sr. Serafino MILLERI foi quem tomou a frente e cuidou da capela que estava construída próxima à residência da família, próxima a margem sul do rio Cricaré.

Os padres Carlo Regattieri e Francisco Traverso constam como os primeiros a assistir a capela, nos primeiros anos. Depois outros vieram e a própria capela serviu de escola.

As festas anuais e as procissões faziam todo o povo se reunir, mesmo os que não residiam no Pip-Nuk. Na década de 1920 chegaram a fazer uma procissão onde trouxeram a imagem de Santo Antônio do Córrego da Serra para o Pip-Nuk e levaram a de São Roque para o Córrego da Serra, tudo por causa da estiagem.

Milagre ou não, o fato é que as preces foram respondidas com muita chuva e uma enchente que destruiu parte da ponte velha (hoje no centro da cidade) que tinha acabado de ser construída.
Não só italianos, mas também brasileiros como as famílias: FARIAS, ELIAS, LIMA, CAYRU e SÁ (perdoem as omissões) freqüentaram São Roque.

Como o tempo, a primitiva capela foi substituída por outra, mais distante da margem do rio, devido à erosão, mas ainda no lote dos MILLERI.

Enquanto o Sr. Serafino viveu no Pip-Nuk, a capela permaneceu na propriedade dos MILLERI, mas como a vila e posterior cidade de Nova Venécia, começava a desenvolver-se, ele mudou para lá, o que fez com que a capela fosse transferida, por volta de 1961, para o outro lado do rio, na propriedade dos FRIGERIO, em local próximo à cachoeira do Pip-Nuk. Também esta terceira capela teve vida curta e foi transferida para o local onde se encontra até os dias de hoje (2009), ainda na propriedade da família de Augusto Frigerio.

Durante as décadas de 1960 e 1970 o êxodo rural esvaziou o vale da presença de inúmeras famílias que, a exemplo do Sr. Serafino foram para cidade, para outros municípios ou mesmo estados.

Mas a família FRIGERIO, como herdeira dessas relíquias religiosas, conseguiu permanecer no Pip-Nuk, no mesmo lote que o patriarca Giuseppe FRIZIERO escolhera, em 1910, para viver e onde, em 1929, construiu a sua residência, raro exemplar da arquitetura italiana produzida pelos imigrantes no Pip-Nuk.

Todos esses marcos são representativos da cultura e religiosidade em Nova Venécia, que, como em outras regiões, é marcada pela simplicidade e rusticidade popular, verdadeiro exemplo de devoção cristã.


NOTA: Outra versão do presente artigo foi publicada com o título “A Religiosidade Popular no Canaã Veneciano” no jornal “Folha do Estado” em 05/10/2002.


*Rogério Frigerio Piva é natural de Nova Venécia. Historiador graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisa sobre a História de Nova Venécia desde 1992. Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Trabalhou por 10 anos no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo onde ocupou diversos cargos. Atualmente é Professor de História e Filosofia do Centro Educacional Evolução.

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