quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Em breve lançamento do livro À SOMBRA DO ELEFANTE

No próximo dia 30 de Agosto completam-se exatos 30 ANOS do Tombamento da Pedra do Elefante como Patrimônio Natural e Paisagístico do Espírito Santo. Nesta data, no ano de 1984, houve a assinatura da Resolução de Tombamento pelo então presidente do Conselho Estadual de Cultura do Espírito Santo Sr. Wilson Haese. No dia 12 de Setembro de 1984 o ato foi publicado no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo. Infelizmente, somente quatro (04) anos depois, em 1988, é que a destruição de nosso Monumento Natural teria um fim. Em 2001, confirmando o que já previa a Constituição Estadual de 1989, foi, finalmente, criada a Área de Proteção Ambiental (APA) da Pedra do Elefante. Em breve poderemos comemorar este momento com grande estilo À SOMBRA DO ELEFANTE.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Eugênio Cunha: A história do colonizador do norte do Estado

Imagem disponível no site: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/janeiro/07/index.asp acessado em 08/07/2012.

Dando continuidade a publicação da série de seis entrevistas, iniciadas pela de Cyro Medeiros, feitas pelo jornalista Rogério Medeiros, publicadas no jornal "A Tribuna" de Vitória, em 1974, hoje apresentamos a entrevista com o veneciano Eugênio Cunha, neto do Barão de Aymorés, filho de Wantuyl Rodrigues da Cunha, pai do saudoso Dr. Eduardo Durão Cunha, patrono de nossa Biblioteca Pública Municipal. Além de falar sobre seu ilustre avô, revelava as desventuras de ter chefiado o Serviço de Colonização de Barra de São Francisco no final da década de 1930, onde fundou, dentre outros, o atual município de Mantena. Mais uma fonte primária para a construção da História de Nova Venécia e do norte capixaba. Rogério Piva. (editor do blog)


Por ROGÉRIO MEDEIROS, publicado on-line com o título original "A história do colonizador do norte do Estado" no site: http://www.seculodiario.com.br/ na seção Arquivo - Reportagens Especiais.


Embora muito lúcido quando procurado pelo repórter e forte nos 79 anos, Eugênio Cunha, o primeiro chefe do Serviço de Colonização de São Francisco, foi, no entanto, a pessoa mais arredia e resistente ao depoimento. Convencê-lo, só foi possível com a ajuda de sua esposa, uma senhora afável e alegre, de cabelos totalmente grisalhos.

Apesar de monossilático, suas informações se encaixam muito bem nesse painel de desbravadores do norte do Espírito Santo. Os que o conhecem há mais tempo, dizem que a rebeldia e a irreverência são suas principais marcas, o que, realmente não deixa dúvidas a sua vida: foi expulso do Colégio Militar porque apoiou a revolta de Luiz Carlos Prestes. Preso e castigado, suportou os sofrimentos sem reclamos. Solto, entretanto, recusou a anistia.

Voltando depois ao seu Estado, aceitou a tarefa de colonizar a região mais infestada de bandidos e policiais mineiros. Logo cortaria todo o fundo do Estado até Minas Gerais que, mais tarde, serviu, inclusive, ao Serviço Geográfico do Exército para traçar a divisa entre os dois Estados. O seu pioneirismo é de família, já que o seu avô, Barão de Aimorés, foi quem iniciou o processo de colonização, ainda no século passado. Por isso, no início de seu depoimento Eugênio Cunha fala um pouco dele:

O nome do Barão de Aimorés era Antônio Rodrigues da Cunha, filho do comendador do mesmo nome, que era condecorado com a Ordem de Cristo [e] da Rosa. Seu pai era dono da fazenda Outerinhos, no Campo Redondo, em São Mateus, que Saint Hilaire, quando a visitou, desenhou o lugar a bico-de-pena. Era fazendeiro e construtor de barcos, sendo o maior, o Nacional Brasileiro, que nas colheitas transportava até 1.500 alqueires. Quando ele, que era meu bisavô, faleceu deixou 11 filhos entre homens e mulheres.

O Barão de Aimorés recebeu 100 escravos de herança e se mandou com apenas 22 anos de idade. Subiu o braço sul do rio São Mateus e foi fazer a sua fazenda em plena mata virgem. Fez uma mansão, uma ponte atravessando o rio, uma grande façanha para a época, uma barragem, um sobradão, onde instalou uma usina de açúcar que importou da Europa, cuja roda d'água foi parar em poder de Oto de Oliveira Neves, estando escrita nela: London. Depois de tudo feito, com a baixa do açúcar, ele atravessou o rio e botou fogo nos canaviais.

Saiu dali e abriu um picadão para estabelecer contato com Minas Gerais. Foi bater em pleno distrito mineiro de Peçanha. A Folha, daquela época, noticiou: "Um rico fazendeiro de São Mateus, major Antônio Rodrigues da Cunha, abriu esse caminho e foi aqui festivamente recebido". No Serviço de Colonização, eu ainda encontrei um trecho desse picadão.

Depois foi desbravar Nova Venécia, deixando para trás sua fazenda na Cachoeira do Cravo. Foi plantar café. Ele conseguiu transpor as barreiras dos índios, que infestavam essa região, porque sabia falar perfeitamente a língua deles. De certa feita, encontrou índios amotinados, cantando uma onomatopéia. Quis saber o motivo daquela cerimônia. Os índios disseram que uma índia foi apanhada por um civilizado, que era um negro. O Barão mandou colocar um negro no tronco e chegar os ferros nele. Os índios se sentiram vingados. E assim ele pôde fundar em paz sua nova fazenda, que ficou nos contrafortes de uma serra que hoje é conhecida como Serra de Baixo, a 12 quilômetros para o sul da sede do município de Nova Venécia. Ele demarcou, depois conferida pelo chefe do Comissariado de Terras do Governo Estadual, a Quarta sesmaria.

Em pouco tempo, havia nessa propriedade um milhão de pés de café. Ele deu alforria aos escravos antes da lei. Deu início ao povoamento de Nova Venécia mandando buscar 60 famílias, de italianos. Abriu, por essa ocasião também, um picadão numa mata virgem de Nova Venécia a cidade de São Mateus. Mudou várias curvas do rio São Mateus a fim de permitir melhor passagem para as enormes canoas de voga. O meu pai, Wantuil Rodrigues da Cunha, era seu filho. O Barão costumava dizer que foi agraciado por causa de seu irmão Reginaldo Rodrigues da Cunha, fiel seguidor de D. Pedro [II]. Mas a alegação de sua comenda estava ligada a seu pioneirismo na cafeicultura. Não gostou quando foi contemplado, porque era contra o partido do imperador. Por isso, nunca assinou seu nome com o título. Em todos os seus documentos que encontrei não havia essa citação. Influiu muito na política. Fez governadores Graciano Neves e Constâncio Sodré. Morreu cedo, aos 58 anos, em 1893. Fez-se ainda uma tentativa para salvá-lo mandando buscar Graciano Neves (médico) em Vitória.

Eu nasci num lugar perto da serra onde o Barão de Aimorés tinha a sua fazenda de café. Em Barracão, que hoje é Nova Venécia. Era assim conhecido porque era o barracão da imigração italiana. Quando voltei do Colégio Militar, a Secretaria de Agricultura me encarregou de fazer o Serviço Territorial do Norte do Estado. Mas tomei conhecimento das invasões mineiras somente quando cheguei à Nova Venécia. Encontrei plantas e croquis dos frades de Itambacuri, das missões indígenas de Minas Gerais. Proibi que fossem dadas informações a eles. Os freis estavam interessados em grilagem de terras. Quando já estava à frente do serviço, recebi um dia um pedido do frei Inocêncio para deixá-lo rezar missa em São Francisco.

Eu, que sabia que esse frei andava fazendo miséria junto com alguns bandoleiros, permiti a missa, mas mandei dizer a ele que podia vir, mas não na condição que estava acostumado senão ia entrar no pau. Ele não apareceu, mas mandou uma queixa para o bispo. O padre Zacarias já andava por lá. Fui ao Carlos Lindenberg, que estava na Secretaria de Agricultura, e disse que ele tinha que tomar imediatas providências contra as invasões mineiras, prevenindo-o que o interventor, que era o Bley, era também mineiro.

Logo nos dias seguintes, o Carlos mandou me chamar e me disse que o Bley tinha topado a parada de enfrentar os mineiros. E virando-se para mim disse: "Você está escalado para chefiar o serviço". Incontinente, respondi que não aceitava porque era de política contrária a ele. "Tem que ser você - insistiu o Carlos - filho de família da região e já habituado a atuar no povoamento da região". E prometeu carta branca para agir. Aceitei mas adverti que não queria qualquer o contato com o Bley. Antes de seguir para a região, fiz um seguro de vida de 40 contos, que era o máximo. Levei alguns homens. Já no começo da jornada, de Nova Venécia para cima, perdi logo dois burros.

Fui estabelecendo regras para a região. Disse de saída, ao cabo Sobrinho, que ia atuar também na região que não queria processo para ladrão de cavalo e matador profissional... Passei a ir às vilas reunir o pessoal para estabelecer normas de vida. Sempre que havia oportunidade, demonstrava minha perícia com um revólver, com um cavalo bravo e até na forma de fumar cigarro de palha. E na minha pregação havia palavras de ordem. Eu dizia sempre, por exemplo, que o Governo do Espírito Santo tinha me mandado para lá para fazê-los gente. Por enquanto vocês ainda não são gente, mas vão ser. Vou fazer vocês gente. E dizia: Eu não tenho coragem, mas também não tenho medo. Enquanto eu estiver por aqui ninguém responde por culpa velha, mas se fizer a nova vai responder também pela velha.

Em seguida, eu mandava sempre o destacamento desarmar os maiorais. Por isso, quando eu saía para as minhas missões informava sempre que ia para um lado e seguia para o outro. De madrugada, evitava até em acender o cigarro, para não iluminar o alvo. Existiam até subdelegados que eram bandidos. Quando eu cheguei nesse serviço, não existia nada de Nova Venécia para cima. Eu fundei, com o tempo, Mantena, com o nome de Gabriel Emílio. Entrei nesse serviço no ano de 1938. Quando acabei Gabriel Emílio, deixei lá 194 casas, igreja, escola, etc. O primeiro professor que nomeei era um antigo aluno do Colégio Militar da Praia Vermelha do Rio de Janeiro. Fundei também Vargem Grande, Vargem Alta, coloquei destacamento policial nos principais pontos da região. Levei três agrimensores para fazer a medição da área e cadastrei todas as propriedades existentes.

Abaixo de Barra de São Francisco que quando cheguei tinha apenas quatro casas, fiz uma barragem grande no rio. Foi para servir à instalação de uma máquina de pilar arroz. Tinha era muito foragido da justiça por lá. Gente de Minas Gerais, nossa, e até da Bahia. Nos caminhos havia muitas cruzes. Eles passavam matando e o povo mesmo enterrava. De São Francisco à propriedade do Alfredo Fagundes, 10 quilômetros de distância, tinha nove.

Numa região assim era preciso fazer justiça. O chefe do meu destacamento era o cabo Sobrinho, um homem muito valente. Nomeei o meu recenseador Tolentino Xavier, que depois foi prefeito de Ecoporanga. Um belo dia recebo um bilhete dele que estava sendo preso e conduzido para São Tomé. Eu mesmo peguei um destacamento e fui na direção de São Tomé. Fomos no rastro deles certinho. Quando chegamos lá identificamos logo a casa em que eles estavam escondidos, era no canto de uma propriedade. Demos uma rajada para cima e outra para valer. Resultado do ataque, um baleado e dois machucados e Tolentino recuperado. O resto deles se arrancou. Era um cabo de cavalaria mineira com mais alguns cavalarianos, chefiados por um tal de Antônio Matos, o pior bandido de Itambacuri.

O difícil foi a retirada de São Tomé, com as tropas mineiras no meu encalço. Fui obrigado a me separar do destacamento. Fiz ele ir para um lado e eu fui pra outro. Com muita ajuda de capixabas, consegui chegar a Colatina. Imediatamente fui chamado a Vitória e repreendido pelo secretário de Interior e Justiça que julgou a minha ida a São Tomé uma invasão em território mineiro e teve a coragem de dizer que foi uma ação criminosa. Eu respondi que criminoso era encontrar um capixaba da sua altura. O Bley que assistia à cena mandou acabar com a discussão.

Resolvi deixar o serviço. Fui ao Carlos Lindenberg, a quem estava subordinado, e entreguei o meu pedido de demissão. E disse para ele, com referência ao secretário: eu me desgraçando todo no mato para encontrar um cachorro desses para me repreender. Procurei o meu emprego na Prefeitura de Vitória, mas ele já estava tomado. Era a recompensa por aqueles anos vigiando e povoando o solo capixaba. Fui mandado para São Mateus para medir terras... o prêmio ou o castigo de quem trabalhou. Mandaram para a região, o capitão Djalma Borges, que fez misérias, mas eu prefiro não comentar...
Fonte: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/janeiro/07/index.asp

domingo, 18 de novembro de 2012

Cyro Medeiros: A história de um desbravador

Imagem disponível no site: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/janeiro/07/index.asp acessado em 08/07/2012.


Caros amigos, a partir desta postagem iremos reproduzir uma série de reportagens (entrevistas) com personagens de destaque, verdadeiros "desbravadores" no processo de colonização do norte do Espírito Santo. Foram feitas pelo jornalista Rogério Medeiros e publicadas no jornal "A Tribuna" de Vitória em 1974. Alguns dos entrevistados como: Eugênio Cunha, padre Zacarias e Floriano Rubim, tiveram participação efetiva na história veneciana, porém outros, como Cyro Medeiros, José Merçon e Djalma Borges, apesar de não terem tido uma atuação direta em Nova Venécia, estão relacionados a regiões limítrofes e questões direta ou indiretamente importantes para nós, como o Contestado ou a construção da Rodovia que ligou Nova Venécia à Colatina. Estamos diante de fontes primárias para a História da Colonização do Norte do Espírito Santo, em especial, de Nova Venécia. Rogério Piva (editor do blog).


Por ROGÉRIO MEDEIROS, publicado on-line com o título original "A história de um desbravador", no site: http://www.seculodiario.com.br/ na seção Arquivo - Reportagens Especiais.

Com essa reportagem, se inicia a história dos seis homens que desbravaram o norte do Espírito Santo, numa epopéia que lembra muito a velha ação dos bandeirantes por ocasião do estabelecimento das fronteiras do País. Todos eles dão aqui o seu depoimento do período em que viveram na floresta, no meio dos bandidos, criando vilas e cidades, abrindo estradas, atirando, matando e defendendo-se.

Os fatos são narrados diretamente pelos próprios personagens, a partir do meu velho pai, Cyro Medeiros, que por volta de 30 abriu a primeira estrada na região. Segue com Eugênio Cunha e o médico José Merçon, que atuaram em favor da ampliação do território capixaba, prossegue com a rica vida do padre Zacarias, um sacerdote de terço na mão catequizando bandidos, entra na legendária figura do capitão Djalma Borges, o mais temido militar que andou por lá, encerra com o pacífico Floriano Rubim, mensageiro da paz da zona contestada.

Eles fazem um pouco da história, mas não a história propriamente da região, que é muito mais rica e envolve outras personagens importantíssimas. Infelizmente, várias já morreram e outras não foram encontradas. De qualquer maneira, você está agora diante do homem que fez a primeira estrada, do que dirigiu o primeiro serviço de Colonização, do primeiro médico, do primeiro sacerdote, do militar que penetrou na área na frente, e do homem que deu jeito no contestado.

Para mim, essa matéria tem um valor inestimável: é que ainda cheguei a tempo de mostrar o meu velho pai, que atualmente enfrentou com galhardia e a valentia de sempre uma traiçoeira e incurável doença que acabou levando a melhor sobre ele. Morreu em seguida a essa entrevista.

Cyro Medeiros, com o seu xará Cyro Pitanga, foi quem praticamente construiu a primeira estrada no norte do rio Doce, acima de Colatina, onde existiam apenas ramais de madeireiros. Foi um trecho de 30 quilômetros, da entrada de Marilândia a São Gabriel da Palha.

Isso ocorreu em 1930, tendo custado dezenas de vidas, ceifadas pelo impaludismo. Mesmo com a presença constante do impaludismo, por essa estrada penetraram os corajosos e anônimos agricultores que fizeram as primeiras propriedades na região, embora, também, tivessem que enfrentar os animais e os bandoleiros das florestas.

No relato do velho Cyro, dado aos 76 anos de idade, constam também tipos que fizeram a epopéia dos bandeirantes capixabas, entre eles ressalta a figura de Leão do Norte. A sua história está inteira aqui, onde se acha ainda descrita, a metamorfose de Colatina, que de uma simples vila se transforma, de repente, no maior centro madeireiro do País, graças à infatigável atividade de alguns homens que enfrentaram a floresta e consumiram todo o jacarandá, a peroba existente, e os enormes jequitibás, que se impunham às demais árvores.

O que diz Cyro:

Depois da Revolução de 30, o governo do Bley achou importante abrir uma estrada para penetrar na floresta acima do rio Doce (Mata Atlântica) e abrir perspectiva para novos núcleos de colonização. Depois de Colatina só existia um trecho de 20 quilômetros, muito precário, feito por madeireiros. Eu fui com o xará Cyro Pitanga fazer esse outro trecho. Era prefeito de Colatina Ademar Távora. Fomos contratados pelo secretário de Agricultura, Seabra Muniz, que era um engenheiro, genro de Bernardino Monteiro.

O contrato era de prosseguimento do trecho dos madeireiros até São Gabriel. Eu ia pela primeira vez à região, mas tinha experiência de floresta de Mato Grosso. Pelas informações que recebi, supunha que iria realmente penetrar em outra mata virgem. Mas lá chegando notei que a Companhia Territorial, organizada pelo Governo e dirigida e dirigida por Atílio Vivacqua e Aryzio Vianna, pai de Ary Vianna, preparava já a sua povoação. Já haviam vendido alguns terrenos, próximos até ao aldeamento dos índios botocudos: O primeiro lugar que foi fundado foi São Domingos, com o nome de Café, por causa de um único pé que encontramos lá.

Como o governo do Estado não tinha recurso para fazer uma boa estrada, que seria de oito metros, contratou conosco uma precária de apenas três metros. Diziam sempre que estavam mesmo é empenhado em povoar a região. Mas os que primeiro se aproveitaram dessa nova estrada foram novamente os madeireiros que através dela abriram outros ramais para as matas. A minha tenda e acampamento ficavam numa buraca no entroncamento para Nova Itália, a caminho hoje Marilândia e Governador Lindenberg. Por causa de sua posição no fundo de dois morrinhos, levou o nome de Rancho Fundo. Praticamente a minha estrada foi daí para frente.

O Rancho Fundo foi de uma tradição muito grande. Foi chamado assim por causa da música, Rancho Fundo. Foi colocado por um sujeito que veio acompanhando Ari Barroso ao Estado, que havia se apresentado no cabaré do Perci, em Vitória. Eles foram ao Rancho Fundo com alguns amigos meus, especialmente uma rapaziada rica de Santa Tereza, que aparecia por lá para caçar, pescar e fazer farra. Nesse dia apareceram Alcebíades Guaraná, Hayzer, Alfredo Vervloet, Clóvis Gomes e Mário Pretti. Ah, estava presente também o Ethel Nogueira de Sá, engenheiro residente do Governo na região. Quem assistiu mesmo ao Rancho Fundo nascer foi o Clóvis Gomes, pois foi o primeiro a falar do nome.

Foi extraordinário o volume de madeira que encontrei no norte do rio Doce. Vi perobas de mais de 300 cm de rodo, que às vezes presenteava os madeireiros de Colatina, pois eu as cortava e deixava no leito da estrada para eles apanharem. Mas eram poucos que iam lá só para isso, a distância (30 quilômetros de distância) não compensava. Era antieconômico porque eles dispunham de madeira próxima a cidade de Colatina. Além de ser riquíssima em madeira, a floresta também era deslumbrante. Mas a mata não era virgem como aparentava e imaginava o Governo. Eu encontrei muita gente morando nela. É bem verdade que não eram fazendeiros. Uns baianos, sitiante em sua maioria.

Quando cheguei por lá, Colatina tinha um número ainda pequeno de casas, mas o comércio crescia por causa da atividade madeireira. A cidade cresceu muito. Virou, em pouco tempo, o maior centro madeireiro do País. Eu me recordo ainda hoje dos seus primeiros madeireiros: Gordiano e Tijê Guimarães, Heitor Nogueira, Geraldo e José, também Nogueira e a Companhia Nacional de Madeira. A primeira serraria de Colatina pertenceu a um português, Cunha. Existia também a de Barbados, mas era do Governo. Depois é que foi comprada pela família Baião. A do Cunha só servia a cidade na sua febre de construção. O diabo de Colatina era quando chovia muito: os defuntos desciam tudo do cemitério, que ficava em cima de um morro. Vinham parar na rua principal. Mas, com o crescimento vertiginoso do lugar, chegaram para se instalar lá até firmas francesas. Tinha uma que era gerenciada por Jorge Poasum e depois Jorge Delanos. Era a maior compradora de jacarandá.

Naquele tempo somente essa empresa exportava através do porto de Vitória, uma média de 500 metros cúbicos mensais de jacarandá. A Alemanha mandava comprar jequitibá. Na floresta eu vi alguns jequitibás que 10 homens não abraçavam. Os que tiraram de peroba, jequitibá e jacarandá foi um mundo. De Colatina, saíam depois dessas empresas todas que foram parar lá, uma média de dois mil metros cúbicos de peroba.

Quando cheguei na região encontrei os índios botocudos mas já aldeados e explorados por um desgraçado de um médico, que tomava conta deles para o Governo Federal. Aryzio Vianna, que era uma pessoa muito humana, se desentendeu com ele. Mas não adiantou muito porque Aryzio era apenas do Governo Estadual. Não quero nem dizer o seu nome porque ele já é morto e não pode se defender. Por esse tempo, a Companhia de Colonização começou a levar para a região os poloneses. E próximo ao aldeamento dos índios instalaram esses novos colonos. Pegaram os índios e levaram para Minas Gerais, em Krenaque. Eu nas minhas conversas com os índios ouvia sempre que o terreno era todo deles. Esse médico, que se enriqueceu nas costas dos índios, foi a pessoa mais interessada em tirá-los de lá.

Várias vezes fui ao aldeamento deles, mas os índios não gostavam da gente lá. E os poucos índios, geralmente os chefes quando conversavam com a gente demonstravam sua imensa insatisfação com o médico e não demonstravam a menor confiança na gente. "Terra nossa, terra nossa", repetiam sempre. Eu não abri estrada em território indígena, já que eles se encontravam próximo a Águia Branca. Agora, o que tinha de animais naquelas florestas, era um mundo. Volta e meia um empregado vinha me chamar para avisar que estava passando uma manada de porco do mato. Às vezes de 500 a 600 cabeças. Era um perigo quando passava. A gente era obrigado a trepar nas árvores. E para matar um porco do mato tinha que deixar passar toda a manada e pegar os últimos, senão a manada atacava a gente. A caça era realmente muito abundante. Você encontrava veado na estrada, muita paca e anta. As onças costumavam atacar até o acampamento. Por isso, lá viviam caçadores e compradores de pele.

Leão do Norte, seu nome mesmo era Pedro Santana, mas ninguém assim o conhecia além de bandidos, matou muita onça. Era um homem destemido que veio do Nordeste. A gente dizia do Norte, onde trabalhava nas Lojas Pernambucanas, no transporte de dinheiro. Fez um serviço duro para os donos e veio refugiar-se no Espírito Santo. Aliás, a maioria do pessoal que a gente tinha trabalhando era dessa espécie. Antes de ser o meu encarregado de serviço, Leão foi de Cyro Pitanga. Ele fez uma grande amizade comigo. A espingarda dele tinha três canos com duas balas envenenadas sempre e uma chumbada. O Leão acabou sendo a lei na região, um verdadeiro justiceiro, ele acabava com o pessoal perigoso que vivia assaltando os colonos. Naquele tempo não havia policiamento. Ele era um tipo interessante: mulato, baixo, de fala mansa, e andar vagaroso. Já morreu tem quase 10 anos. Deixou grande saudade nos amigos como eu.

Naquela época chamavam de garimpeiros os homens que faziam estradas. Para conseguir gente para trabalhar nessa região ou você ia buscar baianos ou topava trabalhar com foragidos. A gente, na verdade, só empregava mesmo assassino, ladrão de jeito nenhum. Eu sempre conversava a respeito do crime de cada um para saber com quem estava lidando e para ter uma idéia do interesse da polícia em cada um. Eu sempre colocava o pessoal na folha de pagamento com outro nome, pois quando a polícia aparecia queria conferir pelo nome da folha. A maioria acabou se tornando amigo. Muitos chegavam sozinhos e depois iam buscar a família. Quando isso ocorria, eu fazia um ranchinho para eles e mandava até buscar a família em Colatina. Ah, uma coisa: eu não aceitava os empreiteiros de Cristo (termo usado na época para os cocaeiros). Agora a gente tinha é que demonstrar coragem e andar sempre armado. Eu além, do meu 38 na cinta, carregava sempre uma Weschester.

Por esse tempo, para chegar em Linhares era uma dificuldade. Havia apenas uma miserável estrada que ligava Colatina a ela. O melhor transporte era pelo rio Doce. Era feito em navios gaiola, depois surgiram umas lanchas velozes do Moacir Brotas. Falando de rios, eles tinham peixe prá diabo. A lagoa Juparanã era habitada por jacaré, Linhares era uma pequena vila.

Eu construí 30 quilômetros de estradas. Levava de cinco a seis meses para fazer um quilômetro. As estradas eram feitas a pá, picareta e enxadão. O método era o seguinte: a gente recebia a locação e fazia a derrubada da mata. Derrubava tudo num raio de 15 metros para um lado e outro tanto para o outro lado. Depois eu tirava toda a madeira e colocava no leito da estrada para ser apanhada pelo madeireiro. A princípio, cheguei a reunir 100 empregados, mas depois o número caiu muito. Não era qualquer um que estava disposto a enfrentar a floresta. Acabava ficando mesmo o pessoal do crime. No início da construção da estrada, até Vargem Grande, houve também muito impaludismo. Improvisamos até um hospital. Os médicos iam de Colatina e às vezes de Vitória. No começo morreu muita gente, principalmente operários.

Na floresta existiam cobras perigosíssimas. A pico-de-jaca era uma jararaca terrível. Havia também a urutum, que era uma cobra toda preta com uma cruz branca na cabeça. As cobras geralmente, quando dão bote, alcançam uma distância correspondente a seu próprio tamanho: mas com essa era diferente, ela ficava em pé na sua calda e depois dava um vôo maior que duas vezes o seu tamanho. Certa vez, encontrei uma dessas no caminho. Dei vários tiros de Weschester e não acertei. Era hábito falar por lá que essa cobra marcava as pessoas. Por isso o Leão perseguiu essa até matá-la. Havia um mestre, pros lados de Nova Itália, mestre Pedro, que tratava de mordedura de cobra. Uma cobra mordeu a mulher de um operário nosso e mandamos chamar o mestre. Ela estava botando sangue pelo corpo todo. Peguei um empregado ir pegar o homem. Já o encontrou vindo para os lados do Rancho Fundo. Como não andava montado, despachou o empregado com ervas e folhas que foram usadas no chá e na cobertura da ferida. Quando ele chegou, a mulher já estava até recuperada. Depois no acampamento, assobiou coisas bem diferentes e as cobras surgiram. No meio do grupo ele mostrou a que tinha picado a mulher. Essa história, quando contei para outras pessoas, elas riam. O Bley chegou a dizer que só ouvia porque tinha uma consideração especial comigo. Mas depois ele se convenceu quando viu uma reportagem de um mestre na revista Cruzeiro.

E a nossa estrada ia permitindo mesmo a entrada de colonos para novas terras. Cada semana aumentava o número de caminhões com o pessoal. Eles iam escolher o lugar para morar e fazer as suas propriedades. Inclusive, a princípio, esse pessoal se abastecia no armazém do Rancho Fundo. Era sempre em regime de troca. Traziam farinha e levavam querosene. Fubá e rapadura, e pegavam banha. E outras trocas mais.

A estrada que construí chegou até as imediações de São Gabriel da Palha. Quando percebi, já existia uma povoação na região e, de repente, roncavam os tratores tombando árvores. Começavam até a aproveitar os troncos, pois muitas árvores foram cortadas em estaleiros porque eram volumosas. Quando caía, cada árvore daquelas, fazia um barulho que parecia que o mundo ia se acabar. Com trator veio também a hélice (motosserra) que derrubava uma árvore com mais velocidade, ajudada que era por um motor a gasolina. Depois disso a floresta não resistiu. Quem conta não sou mais eu, que só vi o começo...

Fonte: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/janeiro/07/index.asp

domingo, 4 de novembro de 2012

Exumando Memórias: O primeiro cemitério público da cidade de Nova Venécia (1892-1960)


Data de 1892 a criação do primeiro espaço público para sepultamentos no então sertão do município de São Mateus onde mais tarde surgiu a pequena vila, hoje cidade de Nova Venécia, localizada na região noroeste do estado do Espírito Santo.

Foto 01- O primeiro Cemitério Público de Nova Venécia, aqui em detalhe de uma das primeiras vistas panorâmicas da Vila de Nova Venécia feita em fins da década de 1920.


Por Rogério Frigerio Piva*


O ano era 1926. Uma segunda-feira, dezenove de julho. Passos lentos e silenciosos, por entre ruas, que eram então, apenas pequenos caminhos empoeirados que levavam ao alto, onde repousam os mortos. Três corpos conduzidos pela torrente de pessoas atordoadas, moradoras da vila e arredores que tentavam compreender a tragédia que se abatera sobre a pequena “Barracão”, nome simples pelo qual todos se referiam à vila de Nova Venécia na primeira metade do século XX.

Talvez jamais possamos conhecer a motivação da tragédia que levou à “morte violenta” de três jovens rapazes, um dia antes, nem tão pouco as circunstâncias. Muito pouco ou quase nada sabemos sobre eles ou sobre o que ocorreu naquele fatídico domingo, dia dezoito de julho de 1926.

Do pouco que sabemos consta que o primeiro a falecer foi João Rodrigues de Oliveira, às 07:00 horas, simplesmente “na rua”. Tinha somente 23 anos de idade, era solteiro e fruto da união entre a imigrante italiana Elisabetta Isachini com um brasileiro, tendo nascido aqui mesmo na região de São Mateus. O segundo, que atendia pelo nome de João Capucho, foi morto às 19:00 horas, do mesmo dia também “na rua” e era filho do casal de imigrantes italianos Angelo Capuzzo (atual Capucho) e Amália Bettin, tinha 20 anos de idade e era casado com Isaura Rodrigues de Oliveira, possivelmente, irmã de João Rodrigues de Oliveira, portanto, suposto cunhado deste. Já o terceiro, Loriano Rodrigues d’Oliveira, era menor, nascido em Minas Gerais, tinha somente 16 anos de idade e era irmão de João Rodrigues de Oliveira. Foi morto juntamente com o cunhado, João Capucho, às 19:00 horas “na rua”, ou seja, em algum daqueles caminhos empoeirados que, décadas mais tarde, se tornariam ruas ou avenidas no centro da cidade de Nova Venécia. Tanto Loriano quanto João Capucho eram lavradores, tiravam da terra seu sustento.

Mais nada conhecemos sobre eles, porém podemos imaginar o quanto pesou aos seus parentes e amigos conduzir jovens, que ainda estavam na aurora da vida, para seu eterno repouso, naquele que foi nosso primeiro cemitério público. Em que circunstâncias ocorreram às mortes dos três? As fontes não nos permitem supor. Mas conhecemos bem o local de seu repouso final e, apesar de ser ignorado às novas gerações, ainda permanece “vivo” na lembrança dos antigos moradores de Nova Venécia.

Histórias como a dos irmãos João e Loriano Rodrigues de Oliveira e seu cunhado João Capucho são apenas uma pequena amostra das inúmeras que repousam sob a terra no lugar onde dormem o sono eterno os primeiros colonizadores de nosso município. É preciso “exumar”, trazer a superfície, ao presente, suas vidas, suas tragédias para conhecermos um pouco mais sobre o cotidiano da colonização de nossa terra, algo que o estudo de nossos primeiros cemitérios pode nos fazer decifrar.

O primeiro lugar de sepultamento do qual se tem notícia no município foi provavelmente o antigo Cemitério Particular da Fazenda Boa Esperança, fundada por volta de 1876, pelo Coronel Matheus Gomes da Cunha, no local hoje conhecido por Serra de Cima. Além deste, existia também o Cemitério Particular da Fazenda Terra Roxa que pertenceu, originalmente, ao Senhor Constante Gomes Sudré e que, serviu até o final dos anos 1930 para sepultar todos os que morriam na região do Rio Preto e arredores, hoje limítrofe com o município de São Mateus, onde se localiza o Assentamento Zumbi dos Palmares.

Também havia um pequeno cemitério particular nas proximidades do Córrego da Boa Esperança, não muito distante de sua foz no rio Cricaré em terras que originalmente pertenceram ao cearense Manoel Simeão de Lima. Neste último, eram sepultados sobretudo os antigos cearenses que viviam nas proximidades. Próximo a este cemitério surgiu, anos mais tarde, uma capela dedicada a Nossa Senhora dos Anjos que depois foi transferida para a região da Água Preta.

Com a vinda de famílias de imigrantes italianos, a partir de 1888, para o vale do rio São Mateus, sobretudo para o seu braço sul ou rio Cricaré, o Governo da Província e depois do Estado, talvez sob o incentivo de fazendeiros, ampliou a partir de 1890, o Núcleo Colonial de Santa Leocádia criando a “Secção de Nova Venécia”. Por fim, devido a diversos fatores, dentre os quais a distância entre a seção e a sede do núcleo, no ano de 1892, foi oficialmente criado o novo Núcleo Colonial de Nova Venécia, ocasião em que se estabeleceu a sede do núcleo no morro que hoje se localiza no centro da cidade de Nova Venécia conhecido como Morro da Matriz.

Este foi o início da cidade e, provavelmente, do nosso primeiro cemitério público, criado para atender aos sepultamentos daqueles que morriam no núcleo colonial. Além dele, se instalou outro cemitério público, alguns quilômetros rio acima, na sede da Seção Pip-Nuk, a mais próspera da região, o Cemitério Público do Pip-Nuk. Este cemitério, algum tempo depois, também foi conhecido por Cemitério de São Sebastião em virtude da capela erguida pelos imigrantes italianos no sopé do morro onde se localizava. Esta antiga capela foi mais tarde transferida para o Córrego da Volta.

Foto 02 – Vista panorâmica da Vila de Nova Venécia em fins da década de 1920, o cemitério já ocupava o morro que seria conhecido como “da matriz” muito antes desta ser construída.

Quanto ao primeiro Cemitério Público de Nova Venécia, ele se localizava no lado oeste do morro da atual igreja matriz de São Marcos, quando ainda nem se sonhava com sua construção por ali, o que nos permite afirmar que nossos primitivos cemitérios tiveram sempre origem laica, considerando que não surgiram agregados a nenhuma igreja ou capela, ao contrário, tanto no caso de Nova Venécia, quanto de Pip-Nuk e também do Córrego da Boa Esperança, as capelas surgiram muito tempo depois, certamente motivadas pela proximidade do local de descanso dos entes queridos.

O nosso primeiro cemitério, ou melhor, “Cemitério Púbico de Nova Venécia”, como sempre foi denominado nos registros de óbito, tinha modestas dimensões: aproximadamente 36 x 37,5 metros. O local exato, hoje se encontra aos fundos da atual igreja matriz de São Marcos ao lado do Hospital do Dr. Brasileiro, na Rua Dr. Renato Araújo Maia, antiga Rua Guarapari, no Centro da cidade e atualmente é ocupado, em parte, pela Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, pelo presbitério da matriz e, mais recentemente, por um estacionamento de veículos da paróquia. Este último, destino não tão nobre para o local, onde repousam os pioneiros fundadores da cidade.

Suas dimensões, nos dias de hoje, podem nos parecer pequenas, mas, na época, eram adequadas o suficiente para o lugar, que tinha poucos moradores. Lembramos que a demanda de sepultamentos não era suprida somente por ele, pois, como dissemos anteriormente, havia outros cemitérios, cada qual atendendo a uma determinada zona.

O nosso primeiro cemitério público, com base na análise dos primeiros registros de óbito guardados no cartório de registro civil, que datam a partir de 1899 e, portanto, nos deixam uma lacuna de sete anos (1892-1898) da qual não possuímos registros, atendia ao sepultamento de todos que moravam na chamada região “beira-rio São Matheus” e os vales dos córregos: da Serra, Dourado, região da Santa Rita e, mais tarde, com o fechamento do Cemitério Particular do Córrego da Boa Esperança, todos os que morriam neste.

Segundo os dados da pesquisa que estamos desenvolvendo sobre os primitivos cemitérios da região de Nova Venécia, somente entre os anos de 1899 e 1909 o nosso primeiro cemitério público recebeu cerca de 50 sepultamentos dentre os de homens e mulheres, sejam crianças ou adultos. No livro nº 01-C de óbitos do cartório de registro civil consta o assento de nº 02 que é o primeiro a se referir ao “Cemitério Público de Nova Veneza”. É o de um bebê, com cerca de nove meses de vida que se chamava Francelino Ferreira de Souza. Ele faleceu no dia 14 de abril de 1899. Naquele ano (1899) foi registrado um total de 13 óbitos, dos quais, somente três foram sepultados em Nova Venécia.

Além do menino Francelino de nove meses de idade, constam o da jovem imigrante italiana registrada como “Luiza Frigerio de Azevedo” com 27 anos de idade, casada com um mineiro e que faleceu de “morte natural” em 23 de agosto de 1899 e o da senhora registrada apenas com o nome de “Sabina”. Ela faleceu em 08 de novembro de 1899 no “Córrego da Serra de Baixo” também com “morte natural”, porém estava com seus 90 anos e era natural de Itapemirim (ES) e, é possível que se tratasse de uma ex-escrava de alguma das fazendas da região. Seu registro foi o de nº 10. Naquele ano, a maioria dos sepultamentos se deu, não em Nova Venécia, mas no “Cemitério da Fasenda da Terra Roxa”, num total de sete, incluindo o primeiro assento do livro, dos treze registrados no ano de 1899.

Do período citado (1899-1909) o ano em que mais se sepultou no cemitério de Nova Venécia foi o de 1902. Neste ano, contrariando os anteriores, dos quais se tem registro e os posteriores até 1909, foram inumadas cerca de 10 pessoas do total de 50 que no período supracitado tiveram ali seu repouso final. Como não sabemos sobre os sete anos anteriores (1892-1898) o número de inumações até 1909 pode ter sido bem maior.

Foto 03 – Vista da cerca do primeiro Cemitério Público de Nova Venécia por volta de 1941. Ao fundo o morro onde hoje se encontram a escola Maria Rodrigues Leite e a garagem da Viação Águia Branca.

No presente momento nossa pesquisa ainda está em andamento, mas já recuperamos dados dos que foram sepultados no município até o ano de 1930, período no qual, percebemos o aumento no volume de sepultamentos, que fez com que nossa primeira necrópole alcançasse o início da década de 1950, às vésperas da emancipação política, estagnada com relação ao espaço e aos interesses da sociedade em seu entorno. Ao que tudo indica as lideranças locais não consideravam a possibilidade de que o cemitério continuasse a ocupar aquele local que era central para vida da cidade que estava nascendo.

O fim de nosso primeiro cemitério público não foi diferente do de muitas cidades brasileiras. Nossa primeira necrópole, além de pequena, com relação as que a sucederam, era também muito simples e nada monumental, expressava assim, o poder aquisitivo dos vivos que habitavam no seu entorno. Originalmente não possuía muros, somente uma cerca de madeira e um cruzeiro feito de madeira de garabu, próximo ao portão, também de madeira, de sua entrada que ficava no lado leste do cemitério, dentro do que hoje é a ligação entre a nave e o presbitério da igreja matriz de São Marcos.

Consta que, mais tarde, foi feito um muro neste lado do cemitério, porém os outros lados continuaram com cerca de madeira até a extinção do cemitério em 1960. As sepulturas, segundo relatos daqueles que tiveram sepultado nele seus entes queridos, eram montículos de terra adornados por cruzes de madeira ou ferro e, uma ou outra planta, comum, ainda hoje, em cemitérios como a popular “Espada de São Jorge” ou a “Açucena”. Túmulos construídos de cimento podiam ser contados a dedo e eram somente os de famílias abastadas como o da família sírio-libanesa dos Daher que, segundo relatos, ficava próximo à entrada do cemitério.

Entre os anos de 1938-1942 foi erguida, um pouco a frente do nosso primeiro cemitério, a saudosa “Capela de São Marcos” pelo Padre Zacarias que residiu em Nova Venécia por dez anos antes de se estabelecer em Barra de São Francisco. A partir de então, os moradores tinham aquela que foi a primeira igreja matriz, como local para velarem seus mortos de onde depois seguiam com o corpo para o cemitério. Antes, o velório era sempre feito em suas próprias residências, o que continuou a acontecer em muitos casos.

Foto 04 – Detalhe de “Planta Geral da Cidade de Nova Venécia”, datada de 1955, onde se observa a localização exata do primeiro cemitério aos fundos da primeira Igreja de São Marcos.

No início da década de 1950 o farmacêutico da vila de Nova Venécia, Sr. Zenor Pedroza Rocha, ganhou as eleições como prefeito de São Mateus, tamanha a importância que o então distrito de Nova Venécia detinha na política local. Foi durante este seu mandato que a prefeitura de São Mateus adquiriu o terreno para instalação do novo cemitério público da vila, fora dos limites da cidade. Em 1953 o distrito de Nova Venécia ganha independência do município de São Mateus. No início do ano seguinte (1954) é dada posse ao primeiro prefeito, Sr. Antônio Daher, por nomeação para um mandato de apenas um ano, dado que, naquele ano, foram feitas eleições para prefeito e vereadores. Em 1955, o Sr. Zenor Pedroza Rocha, que concluíra o mandato de prefeito em São Mateus, assume a recém-criada prefeitura, ainda muito carente de recursos materiais e humanos, e dá prosseguimento as obras do novo cemitério público da cidade.

Por volta de 1956 o novo Cemitério Público de Nova Venécia já está em funcionamento. Instalado fora dos limites da cidade, em um morro de condições desfavoráveis, devido à sua inclinação acentuada e por ser tangido na sua base pela antiga estrada que ligava Nova Venécia à Colatina, o que mais tarde gerou uma erosão que quase “devorou” parte do cemitério, chegando a expor alguns corpos, mas representou um grande avanço, pois possuía muros de tijolos e cimento e um belo portão de ferro.

Portanto, devem ter ocorrido no ano de 1955, os últimos sepultamentos, feitos no nosso primitivo cemitério público, que começa a ser denominado, desde então, como “Cemitério Velho” ou “Cemitério da Matriz”. Mas o fato que foi decisivo para o destino de nossa primeira necrópole foi a criação da Paróquia de São Marcos no ano de 1954.

Foto 05 – Detalhe de vista panorâmica da Vila de Nova Venécia no início da década de 1950, com destaque para a primeira Igreja de São Marcos e o nosso primeiro cemitério que ainda era utilizado para sepultamentos.

O interesse nas terras ocupadas pelo cemitério pode ser percebido desde 1956 quando o então prefeito, Sr. Zenor Pedroza Rocha, por meio da lei municipal nº 56 de 19 de Maio de 1956, “Concede para a Paróquia de São Marcos, toda a área do terreno, nos fundos da Igreja Matriz, assim como todo o terreno onde está encravado o Cemitério Velho”.

Desde 1956, o terreno do antigo cemitério já estava à disposição dos Missionários Combonianos que então organizaram a nova paróquia. Segundo o padre Carlos Furbetta, em seu livro História da Paróquia de Nova Venécia, às páginas 45 e 46, quando, em 1960, projetou-se a construção de uma nova e maior igreja matriz de São Marcos, os terrenos que foram sugeridos eram: o que ficava na outra margem do rio (além da ponte) onde se ergueu, no ano anterior, o Cruzeiro de Madeira pelos padres Redentoristas e o terreno ao fundo da então igreja matriz, que abrangia o antigo cemitério.

Foto 06 – Detalhe de vista dos arredores da cidade de Nova Venécia a partir da Rua Santa Cruz, em 1956, vendo-se ao fundo o novo Cemitério Público (o segundo) que mais tarde foi denominado de “Cemitério Senhor do Bonfim”.

A escolha foi óbvia por este último, porém mesmo tendo a posse definitiva do mesmo, foi necessário outro ato legal para prosseguir com os trabalhos. Através da Lei municipal nº 264 de 29 de Agosto de 1960, o então prefeito, Sr. Tito dos Santos Neves, alterou o 2º § do Artº 311 do Código de Posturas do Município de Nova Venécia que passou a ter a seguinte redação: “Antes de serem abandonados ou após interditados os cemitérios permanecerão fechados durante cinco anos, findo os quais, a sua área poderá ser destinada à construção de templos religiosos e seus anexos, parques e jardins, ficando proibido nas áreas dos mesmos toda construção para qualquer fim ´profano´”.

Ainda não foi possível encontrar o referido Código de Posturas em vigor à época, provavelmente uma adaptação do de São Mateus, porém supomos que o prazo estabelecido por este fosse de superior a cinco anos ou que este fosse omisso sobre a utilização dos terrenos dos cemitérios para outros fins que não os de sepultamentos.

O mesmo Padre Carlos Furbetta, destaca ainda no já citado livro: “A prefeitura com a lei nº 264 de 29-08-60 reconheceu o direito de construir na área do cemitério velho. Em setembro (1960) o trator entrou em operação. Na área esplanada até 12 metros do barranco em direção oeste, os restos dos cadáveres foram completamente exumados. Por nossa parte já desde o mês de abril vínhamos pedindo ao povo interessado que exumasse seus antepassados.

Sabemos por relatos que, durante algum tempo no local terraplanado, foram encontrados restos humanos como ossos e cabelos, além de roupas e outros vestígios de sepultamentos. Os ossos então encontrados teriam sido levados ao novo cemitério e colocados em vala comum próximo ou sob o cruzeiro deste.

O saudoso padre Carlos Furbetta foi preciso e enfático em seu relato quando afirmou “Na área esplanada até 12 metros do barranco em direção oeste, os restos dos cadáveres foram completamente exumados.” Talvez seja isso que se acreditou, porém, evidências arqueológicas da existência de sepulturas ainda intactas vieram à luz entre fevereiro e março de 1995, quando da obras de reforma e ampliação do antigo Hospital e Maternidade Santa Clara do Dr. Brasileiro.

Éramos estudante no ensino médio quando tivemos a oportunidade de acompanhar e fotografar as evidências encontradas pelos trabalhadores após demolirem o muro de arrimo que separava a área do hospital da do terreno onde se encontra o antigo cemitério, para construção de uma rampa que atendesse as exigências do órgão de saúde.

Além de fragmentos de ossos e dentes que abundaram no local também se encontraram intactos os espaços funerários das sepulturas exatamente a sete palmos ou um metro e meio de profundidade. Num deles, até um crânio ainda se encontrava quase inteiro.

Foto 07 – Aspecto da escavação, em 1995, que evidenciou a existência de restos mortais “intactos” na área que era ocupada pelo primeiro cemitério de Nova Venécia, quando das obras de ampliação do “Hospital do Dr. Brasileiro”. Foto: Rogério F. Piva

Além de esclarecer o posicionamento das covas, direcionadas no sentido leste-oeste, em acordo com a posição do portão de entrada, o episódio demonstrou que o local é um sítio histórico-arqueológico que ainda abriga, ao menos em parte, devido à declividade do terreno, restos dos corpos que foram, um dia, ali sepultados. Mesmo após exumações individuais e a própria terraplanagem, à época de sua extinção-descaracterização (1960), estas, pelo que foi encontrado, não atingiu a parte mais baixa do terreno que, ao contrário, foi apenas soterrada com o entulho e a terra revolvida de outras partes.

Foto 08 – Dentre vários fragmentos de ossos e dentes, até um crânio foi encontrado em 1995, quando o velho muro de arrimo foi destruído para a ampliação do “Hospital do Dr. Brasileiro”. Foto: Rogério F. Piva

Para arqueologia um sítio funerário não é descaracterizado somente com a eliminação das evidências de superfície como cruzes e túmulos, pois, o que continua intacto no subsolo pode nos falar muito sobre os que aqui viveram antes de nós.

O segundo cemitério público de Nova Venécia foi inaugurado entre 1955-56, e somente teve sua denominação oficializada quando da inauguração do terceiro cemitério público no ano de 1983, pois com o desaparecimento do primeiro em 1960, ele era o único Cemitério Público de Nova Venécia.

Para evitar equívocos, o então prefeito Adelson Antônio Salvador aprovou a Lei Municipal nº 1.280 de 12 de agosto de 1983, “Que dá nome aos Cemitérios da Cidade” onde seus artigos esclarecem sobre o nome das atuais necrópoles: “Art. 1º - É atribuído o nome de “Cemitério São Marcos” ao Novo Cemitério Municipal em homenagem ao padroeiro do município; Art. 2º - Em decorrência do Artº 1º desta Lei, fica apelidado de “Cemitério Senhor do Bonfim”, o Cemitério Velho, presentemente desativado.”.

Portanto, no bairro Bonfim localiza-se o “Cemitério Senhor do Bonfim” onde se sepultaram e ainda sepultam os mortos da cidade e arredores desde 1956. A partir de 1983, no bairro Municipal I, foi inaugurado o “Cemitério São Marcos”, este, seguramente, o terceiro cemitério público na cidade de Nova Venécia.

Lembramos que cemitérios são “lugares de memória” por excelência. Negligenciá-los significa apagar nossa memória. Perder nossa identidade enquanto comunidade.



*Rogério Frigerio Piva é natural de Nova Venécia, Graduado em História pela UFES, Professor, Historiador. Trabalhou no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, onde ocupou diversos cargos entre 1998-2008. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - IHGES e da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais - ABEC, Autor e Editor dos Blogs: Projeto Pip-Nuk (www.projetopipnuk.blogspot.com) e COEMETERIUM (www.kimitirion.blogspot.com) e Desenvolve pesquisa sobre os antigos e extintos cemitérios no Vale do Rio Cricaré entre o final do século XIX e a 1ª metade do século XX.


OBS.: O presente artigo foi publicado no jornal "A Notícia" de Nova Venécia-ES nas páginas 04 e 05 da Edição Nº 2.706 - Ano XXIII de 01 de Novembro de 2012.

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