quarta-feira, 19 de novembro de 2008

[Um ARQUIVO PERMANENTE não se constrói por acaso]


Foto: Vista aérea da cidade de Nova Venécia, em 1968, feita por Paulo Bonino.
Apesar de ter sido colonizado há mais de 138 anos e possuir uma História
Administrativa Autônoma com mais de 54 anos, o município de NOVA VENÉCIA

ainda NÃO POSSUI um ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL.



Por Heloísa Liberalli Bellotto


Um arquivo permanente não se constrói por acaso. Não cabe apenas esperar que lhe sejam enviadas amostragens aleatórias. A história não se faz com documentos que nasceram para serem históricos, com documentos que só informem sobre o ponto inicial ou ponto final de algum ato administrativo decisivo. A história se faz com uma infinidade de papéis cotidianos, inclusive com os do dia-a-dia administrativo, além de fontes não-governamentais. As informações rastreadas viabilizarão aos historiadores visões gerais ou parciais da sociedade. De qualquer forma, eles terão de contar com todos os elementos possíveis, não apenas os extraídos dos documentos de efeito, pois estes produziriam imagens distorcidas dos fatos e dos comportamentos. Um arquivo público não pode ser constituído de preciosidades colecionadas, reunidas sem organicidade e sem formar grupos significativos de fundos.
Um arquivo final, permanente ou histórico, é formado por documentos produzidos há mais de 25 ou 30 anos, portanto em “idade histórica”, pelos vários órgãos da administração de um mesmo nível, seja municipal, estadual ou federal. Esses documentos, dentro de seus níveis administrativos, guardam entre si relações orgânicas que devem ser obrigatoriamente respeitadas.
O documento de arquivo só tem sentido se relacionado ao meio que o produziu. Seu conjunto tem de retratar a infra-estrutura e as funções do órgão gerador. Reflete, em outras palavras, suas atividades-meio e suas atividades-fim. Esta é a base da teoria de fundos. Ela é que preside a organização dos arquivos permanentes.
O fundo de arquivo compreende os documentos gerados e/ou recolhidos por uma entidade pública ou privada que são necessários a sua criação, ao seu funcionamento e ao exercício das atividades que justificam sua existência. Por isso, os documentos de uma determinada unidade administrativa não devem ser separados para efeitos de organização sob nenhum pretexto. Exclui-se, assim, o sentido de coleção: documentos reunidos obedecendo a critérios científicos, artísticos, de entretenimento ou quaisquer outros que não os funcionais/administrativos.
O fator norteador da constituição de um fundo é o principio da proveniência: a origem do documento em um dado órgão gerador e o que ele representa, no momento de sua criação, como instrumento que possibilitará a consecução de uma atividade dentro de uma função, que cabe ao referido órgão gerador no contexto administrativo no qual atua, ou que provará o cumprimento de atividade.


Extraído de BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: Tratamento documental. 2. ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. Cap. 1 Da administração a história: ciclo vital dos documentos e função arquivística. pág. 27-28.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Que bens culturais [edificados] devem ser preservados?

O texto abaixo foi transcrito do:

Espírito Santo, Governo do Estado do. Guia da Preservação do Patrimônio Cultural. Secretaria de Estado da Cultura : Vitória, 2008.

Portanto, pedimos a devida licença a Secretaria de Estado da Cultura do ES para difundir os textos deste exelente instrumento que certamente nos auxiliará, indicando o caminho correto a ser seguido na preservação de nosso Patrimônio Cultural em especial ao EDIFICADO ou ARQUITETÔNICO.

Que bens culturais [edificados] devem ser preservados?

Aqueles caracterizados por sua exemplaridade e representatividade, bem como aqueles que concorrem para a manutenção de conjuntos ou ambiências.
Um mesmo bem cultural pode ser qualificado por um conjunto diferenciado de significados. Contudo, para efeito de sua identificação, destaca-se uma série de valores considerados por permitirem uma interpretação expressiva e representativa dos quadros social, histórico e físico aos quais um bem pode estar referido ou ser referência. São eles:

· Valor histórico: atribuído a um bem patrimonial testemunho de acontecimentos de uma época e de um sítio determinado;
· Valor de autenticidade: correspondente à expressão formal que caracteriza uma época, considerando o contexto, o modo de vida e a cultura da região;
· Valor associativo e testemunhal: deve ser avaliado com base nos acontecimentos importantes sucedidos em um imóvel ou setor, que marcam uma época;
· Valor arquitetônico: associado a um bem patrimonial, manifesta com clareza o caráter com que é concebido, correspondendo à forma, à função e levando em consideração que o repertório formal, a espacialidade, as formas construtivas e os materiais não tenham sido alterados a ponto de desvirtuar seu significado e leitura;
· Valor tecnológico: se manifesta nos sistemas construtivos, elementos representativos ou avanços tecnológicos de uma época determinada;
· Valor de antigüidade: é o valor adquirido pelo bem patrimonial, isolado ou em conjunto, com o transcorrer dos anos e as circunstâncias econômicas e sociais à época em que o bem foi concebido;
· Valor cultural: atribuído ao Patrimônio Cultural das cidades, articula “elementos formadores da identidade de determinado lugar, relacionando o patrimônio arquitetônico, o traçado urbano, a paisagem da cidade como um todo, os seus valores históricos, sociais, culturais, técnicos, formais, afetivos e as inter-relações entre eles”.

domingo, 21 de setembro de 2008

Lei nº 2.514/2001 - Criou o Coselho Municipal de Cultura de Nova Venécia



Vista aérea da cidade de Nova Venécia em 1993 feita por Manoel Henrique Martins [Fotomat Studio].
Há quinze anos atrás nosso Patrimônio Cultural era muito mais rico, mas apesar das perdas, muito permaneceu e devemos lutar para que seja preservado de forma adequada. A presença e funcionamento de um Conselho Municipal de Cultura poderá garantir isso para as gerações futuras.


Segue abaixo, na íntegra, a lei que criou o Conselho de Cultura Veneciano:

LEI Nº. 2.514, DE 19 DE OUTUBRO DE 2001.

INSTITUI O CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA DE NOVA VENÉCIA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

O Prefeito do Município de Nova Venécia.
Faço saber que a Câmara Municipal APROVOU e eu SANCIONO a seguinte Lei:

Art. 1º - Fica criado o Conselho Municipal de Cultura que formulará, controlará e fiscalizará a política e as ações municipais de cultura, obedecidos os termos da Lei Orgânica do Município de Nova Venécia-ES.

Art. 2º - Compete ao Conselho Municipal de Cultura:

I - Propor diretrizes e prioridades para uma política pública voltada para a democratização da cultura;
II - Colaborar com o órgão competente, da administração municipal, na elaboração e instrumentalização das políticas, programas, da cultura;
III - Aprovar o Plano Municipal de Cultura que deverá seguir as diretrizes e metas básicas dos planos estadual e nacional de desenvolvimento da cultura;
IV - Zelar pelo cumprimento das diretrizes e bases fixadas pela legislação federal, estadual e municipal e pelas disposições e normas que forem baixadas pelos Conselho Nacional, Conselho Estadual e Conselho Municipal de Cultura;
V - Acompanhar a aplicação dos recursos federais, estaduais e municipais destinados a Cultura;
VI - Emitir pareceres, quando solicitado, sobre assuntos e questões pertinentes a cultura, bem como sobre convênios, acordos e contratos que o executivo municipal pretenda celebrar;
VII - Convocar os segmentos organizados da cultura do município, ordinariamente, no mínimo, 2 (duas) vezes por ano para avaliar as ações da política cultural do município;
VIII - Elaborar e, quando necessário, reformular o seu Regimento Interno;
IX - Propor e/ou adotar modificações e medidas que visem a expansão e a melhoria da qualidade técnico-cultural municipal;
X - Manter intercâmbio com os Conselhos de Cultura, Estaduais e Federal e com organizações nacionais e internacionais que possam contribuir para o desenvolvimento da política cultural do município;
XI - Declarar a vacância do mandato de conselheiro nos termos da presente Lei;
XII - Apreciar relatórios mensais e anuais do órgão municipal da cultura;
XIII - Fiscalizar o desempenho do setor municipal de cultura, tendo em vista as diretrizes e políticas estabelecidas e os resultados alcançados;
XIV - Opinar sobre o funcionamento da área cultural do município;
XV - Apoiar ações que visem aperfeiçoar e qualificar os profissionais da área;
XVI - Garantir junto ao setor competente do município a incrementação de atividades culturais nas diversas modalidades e categorias, inclusive para o idoso e portadores de deficiência;

Art. 3º - Fica criado o Fundo Especial de Cultura para manutenção das atividades culturais com recursos provenientes de:

I - Verba orçamentária específica a ser destinada no orçamento municipal;
II - Outros recursos municipal, estadual e federal, destinados a Cultura; e
III - Doações.
§ 1º. A Prefeitura de Nova Venécia-ES deverá incluir no Orçamento municipal, um percentual de sua receita destinados a custear atividades culturais a serem promovidas pelo Departamento de Cultura.
§ 2º. Os recursos captados pelo Fundo Especial de Cultura, conforme caput deste artigo, serão destinados a atividades culturais recreativas e de lazer que atendam as necessidades da comunidade.

Art. 4º - Os recursos recebidos pela Prefeitura de Nova Venécia destinados ao Desporto Educacional Comunitário, serão notificados ao Conselho de Cultura no prazo de 05 (cinco) dias a partir da data do seu recebimento.

Art. 5º - O Conselho Municipal de Cultura, será composto por 9 (nove) membros efetivos e suplentes, a saber:

I - um representante do Poder Executivo;
II - um representante do CDL;
III - um representante da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto;
IV - um representante dos professores de História;
V - um representante de Teatro, Circo e Ópera;
VI - um representante de Música e Dança;
VII - um representante da área de Artesanato;
VIII - um representante da área de literatura;
IX - um representante do Folclore, capoeira.

§ 1º. Os Conselheiros e seus respectivos suplentes serão eleitos pelo voto direto e secreto dos membros da entidade a que pertencerem, após convocação específica para esse fim, para um mandato de 02 (dois) anos, permitida a recondução por uma única vez.
§ 2º. Não estarão sujeitos à eleição prevista no parágrafo anterior, os membros do Conselho a serem indicados pelo Executivo e Legislativo Municipal.
§ 3º. Competirá ainda ao Conselho Municipal de Cultura, homologado pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, o tombamento de todos os bens e patrimônios culturais, contemporâneos, históricos e ecológicos do município de Nova Venécia.
§ 4º. Ocorrendo impedimento ou afastamento definitivo do membro titular, o suplente assumirá automaticamente para completar o mandato.
§ 5º. Nos casos de afastamento do membro titular e do respectivo suplente, haverá indicação pela entidade representativa de novos membros, após a eleição na forma prevista nesta Lei.
§ 6º. Em caso de afastamento temporário do membro titular, assumirá o suplente enquanto durar o seu impedimento.
§ 7º. Só poderão integrar o Conselho de Cultura as pessoas residentes no Município de Nova Venécia.

Art. 6º - O Conselho Municipal de Cultura, terá um presidente e um vice-presidente eleitos através do voto direto e secreto, dentre seus membros.

Art. 7º - O Conselho Municipal de Cultura poderá atuar supletivamente, na sua área de competência estabelecendo normas que não colidam com as diretrizes do Conselho Regional de Cultura através de convênios específicos de cooperação firmados com órgãos municipais, estaduais e federais.
Art. 8º - O Conselho Municipal de Cultura terá sua organização e o seu funcionamento regulamentados através de seu Regimento Interno.

Art. 9º - O Conselho Municipal de Cultura, terá como apoio técnico-administrativo:

I - Um corpo de assessores técnicos, exercido por especialistas licenciados em assunto de cultura;
II - Uma secretária executiva.

Art. 10 - O Conselho Municipal de Cultura reunir-se-á com a presença de no mínimo a maioria absoluta de seus membros.

Parágrafo Único - Nas deliberações do Conselho Municipal de Cultura, o presidente somente terá voto para efeito de desempate.

Art. 11 - As decisões do Conselho Municipal de Cultura serão tomadas em forma de Resoluções e Pareceres, que serão numerados e arquivados pela secretaria para consultas posteriores.

Art. 12 - As funções dos membros do Conselho Municipal de Cultura serão exercidas gratuitamente e consideradas de relevante interesse social.

Art. 13 - As entidades representativas previstas no artigo 5º, terão prazo de 60 (sessenta) dias, contados a partir da data de publicação desta Lei, para elegerem e apresentarem os seus representantes à Administração Municipal.

Art. 14 - O Conselho Municipal de Cultura elaborará o seu Regimento Interno no prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da data de publicação desta Lei.

Art. 15 - O Conselho Municipal de Cultura elaborará e encaminhará à administração municipal um termo correspondente ao pessoal de apoio necessário ao desempenho de suas funções no prazo de 60 (sessenta) dias, após a publicação desta Lei.

Art. 16 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 17 - Revogam-se às disposições em contrário.

REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE, CUMPRA-SE.
Gabinete do Prefeito do Município de Nova Venécia, estado do Espírito Santo, aos 19 dias do mês de outubro de 2001.

ADELSON ANTÔNIO SALVADOR
PREFEITO DE NOVA VENÉCIA




* Aprovada na Sessão de 16/10/2001 da Câmara Municipal de Nova Venécia (ES). Publicada na edição do dia 10/11/2001 do jornal "Folha do Estado" à página 03.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A Casa de Pedra do Perletti

A Casa de Pedra fotografada por Cilmar Franceschetto em 1993 quando, apesar da avançada deterioração, ainda conservava suas principais caraterísticas.


A década de 1920 foi representativa para o desenvolvimento do Estado do Espírito Santo, com a realização de grandes obras nas áreas de transporte e viação públicas. Em especial, na gestão do Presidente do Estado Florentino Avidos. Nesse contexto de progresso, inserimos o Patrimônio Cultural Arquitetônico do Estado do qual trataremos nestas breves linhas.

Localizada na cidade de Nova Venécia, centro geográfico do norte do Estado, a “Casa de Pedra do Perletti” constitui-se de uma edificação com quatro paredes portantes em alvenaria de pedras brutas a vista. Em suas fachadas principais possuía portas e janelas de duas folhas encimadas por bandeiras de arco pleno vazado, sempre em madeira, intencionando imitar um gradil de ferro com seus recortes em serra-de-fita. A cobertura de duas águas era singular para a região por possuir telhas tipo francesas feitas em argamassa de cimento, impermeabilizadas com nata do mesmo material, na cor vermelho-xadrez. Segundo conta-se, essas telhas chegaram de navio a São Mateus, de onde foram transportadas para Nova Venécia.

O beiral era bem curto, quase inexistente, seguindo a tradição italiana, e possuía um acabamento com “galbo” sustentado por “cachorros” rústicos aparentes sem torneamento na fachada principal onde havia somente duas portas. Já os anexos possuíam portas de duas folhas com verga retilínea, enquanto as respectivas coberturas diferiam, sendo a do fundo, um prolongamento da água principal, complementada com telhas tipo francesa de cerâmica. O anexo lateral mantinha as mesmas duas águas do corpo principal, porém este um pouco mais baixo e possuindo telhas tipo colonial (capa-canal), popularmente conhecidas na região como “cumbuca” feitas de cerâmica.

A Casa de Pedra, construída entre 1925-1928 para abrigar “casa de máquina de pilar café a vapor” e “venda de secos e molhados” teve como seu primeiro proprietário o italiano Battista Perletti, cuja biografia ainda carece de maiores informações. Sabe-se que este comerciante veio para a antiga “Barracão” (nome pelo qual a vila de Nova Venécia foi popularmente conhecida na primeira metade do século XX) na época da construção pelo Estado da extinta “Estrada de Ferro São Matheus”, ligação entre a cidade do mesmo nome e Nova Venécia.

Na década de 1930 a edificação foi arrendada por diversos comerciantes locais, dos quais destacamos o Sr. Salvador Cardoso e o Sr. Manoel Papazanak. Entre o final dos anos 1930 e o início de 1940 o alagoano Sr. Waldemar de Oliveira tornou-se proprietário do imóvel. Neste período foram construídos anexos nos fundos e em uma das laterais, em alvenaria de tijolos, cujas fundações em pedra, do anexo lateral, ainda marcam a sua localização e, provavelmente, remontam ao tempo do Battista Perletti. Na área situada ao fundo da edificação ainda é possível observar um fragmento do muro de pedra que circundava todo terreno ao fundo da edificação.


Entre as décadas de 1960-1970 também funcionou no local uma oficina mecânica e uma fábrica de bebidas alcoólicas, das quais, alguns ainda se lembram dos nomes: “Fogo Capixaba” e “Fogo Mineiro”. Sabe-se que o rótulo trazia estampado um desenho da própria Casa de Pedra.
Na década de 1980, o imóvel ficou fechado e entrou em processo de deterioração. Neste momento tem início a campanha por sua preservação, quando o “Movimento Cultural de Nova Venécia” propõe a criação de um “Museu da História Veneciana” que seria ali instalado.


Outra perspectiva da edificação em 1993 ainda pelas lentes do fotógrafo Cilmar Franceschetto
Em 1994, por meio do decreto municipal nº 2.176/94, a Prefeitura desapropriou o imóvel dos herdeiros do Sr. Waldemar de Oliveira para transformá-lo num “Centro de Memória” abrangendo Museu, Biblioteca e Arquivo Municipal. No ano de 1996 foi contratado um projeto de restauração que, infelizmente, não saiu do papel. Na mesma época registra-se o desabamento parcial do telhado. Em 1999, por meio do processo nº 20/99-CEC, iniciou-se o tombamento do imóvel, cuja resolução do Conselho Estadual de Cultura nº 01/2003, inscrita no Livro do Tombo Histórico sob o nº 189, às Folhas 31v e 32, foi publicada no Diário Oficial em 12/03/2003.
O imóvel sofreu, durante o processo de tombamento, forte descaracterização devido a uma “reforma” promovida pela prefeitura no ano de 2000, sem o consentimento e acompanhamento do CEC. Nessa ocasião demoliram o anexo dos fundos e desapareceram com as poucas esquadrias de madeira originais ainda restantes. Além disso, reconstruíram a cobertura com características diferentes da original e ergueram paredes internas de lajotas, até então inexistentes.
Atualmente, a Prefeitura de Nova Venécia, proprietária do imóvel, captou financiamento federal para a restauração que, ressaltamos, deverá recuperar todos os detalhes arquitetônicos do imóvel, por tratar-se de um bem tombado em resolução estadual.
A edificação é um raro exemplar da arquitetura popular da imigração italiana, em alvenaria de pedra, no município de Nova Venécia e um dos últimos imóveis da primeira metade do século XX, remanescente no centro da cidade, e que atesta a evolução urbana da mesma. A Casa de Pedra do Perletti remonta ao tempo em que, a outrora “Vila de Nova Venécia”, então conhecida por “Barracão”, foi alcançada pelos trilhos da extinta “Estrada de Ferro São Matheus”.

Rogério Frigerio Piva
Historiador, natural de Nova Venécia e Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.


Nota: Uma versão resumida deste artigo, com o título “A Casa de Pedra de Nova Venécia” foi publicada na seção “Tribuna Livre” do jornal “A Tribuna” à página 25 da edição nº 22.825 do dia 12/09/2008.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A Mangueira da Rua Salvador Cardoso

A Mangueira em 1988, conforme foto publicada à época no jornal "Folha do Estado". A esquerda a centenária Casa do Salvador Cardoso (a mais antiga ainda existente em Nova Venécia)

Árvore Protegida

Existe no centro da cidade de Nova Venécia um patrimônio natural paisagístico de interesse histórico, tombado a nível municipal pelo Decreto 1.302 de 15 de Julho de 1988.

Creio que seja do desconhecimento de muitos, principalmente dos mais novos. Até o presente momento, não identificamos outro município capixaba que tivesse promovido o tombamento (como medida de proteção/preservação) de uma árvore.

É uma pena que este fato tenha caído no esquecimento, pois deveria ser amplamente divulgado e motivo de orgulho para os venecianos.

Segue abaixo, na íntegra, uma “matéria paga” pela prefeitura municipal publicada no jornal FOLHA DO ESTADO nº 62 de 30 de Julho de 1988, página 03, onde se divulgou o Decreto de tombamento da mangueira. Felizmente esta iniciativa logrou êxito, e hoje, ainda temos o belo pé de manga, esquecido em sua majestade, mas preservado:


Adelson decreta tombamento de árvore preservando as belezas e a história do município

No último dia 15, através do Decreto 1.302, o prefeito Adelson Salvador executou o tombamento da mangueira localizada no centro da rua Salvador Cardoso, em atendimento à necessidade de preservação por motivos de beleza e valor histórico.
A árvore foi plantada em 8 de outubro de 1915, pelo saudoso Salvador Cardoso, na data de nascimento de seu filho Romeu Cardoso, família que ao longo dos anos contribuiu e vem contribuindo de forma significativa para o crescimento de Nova Venécia.
Em três ocasiões a mangueira, que agora é um patrimônio ecológico paisagístico do município, correu riscos de ser derrubada: duas promovidas pela Cesan, que alegava a necessidade de seu corte para fazer a rede de água. A terceira aconteceu no calçamento da rua. Em todas as ocasiões Fausto Cardoso se colocou contrário à medida, permitindo assim a sua existência, que agora está assegurada e livre de quaisquer tentativas de derrubada, com o Decreto assinado pelo prefeito Adelson Antonio Salvador, que tem se preocupado sobremaneira com o patrimônio ecológico, artístico e cultural do município, destacando-se também nessa área em relação aos governantes anteriores.
A responsabilidade legal pela preservação do patrimônio é de competência do Departamento de Urbanismo da Prefeitura – Deurb. Mas Adelson Salvador lembra que toda a comunidade pode e deve contribuir para a sua conservação, por ser o patrimônio de grande beleza e incalculável valor histórico.
As atividades que o chefe do executivo de Nova Venécia vem tomando no sentido de recuperar e resgatar a identidade cultural do município, são de enorme significado para que se mantenha viva a chama que se acendeu nas mentes da juventude veneciana, em torno da questão. São ainda exemplos que devem ser seguidos por outros administradores do Estados e do País que têm demonstrado descaso para com o assunto.
O tempo se encarregará de mostrar e destacar a validade de tais medidas.

Prefeitura Municipal de Nova Venécia
Por uma administração comunitária

Equipe de Governo
Adelson Antonio Salvador


2005 - 90 anos não lembrados!

Em 2005 a frondosa árvore completou 90 anos. Infelizmente niguém lembrou, como também não devem lembrar do seu "Decreto de Tombamento".

Ela viu a cidade crescer de um local privilegiado onde tudo começou. Foi próximo dali que o Dr. Antunico Neves construiu o BARRACÃO que abrigou os últimos imigrantes que chegaram ao Núcleo Colonial de Nova Venécia, por ele fundado em 1892. O local hoje abriga a Clínica do Dr. Vicente.

Por último mas não menos importante, devemos lembrar que, fica diante desta quase centenária árvore a mais antiga casa que restou em Nova Venécia, a Casa do Sr. Salvador Cardoso, descendente de tradicional família mateense e de grande importância política nos primórdios do município.

Só para se ter noção da antiguidade do imóvel, sabemos que o italiano Giovanni Emilio Frisiero (hoje Frigerio), contraiu matrimônio nesta casa com uma filha de cearenses, Sra. Conceição Firmino da Costa, no ano de 1911. O Salvador Cardoso, nesta época, era juíz de paz e sacramentava as cerimônias civis em sua residência.

Sugestões para a Administração Municipal.

A Administração do Municipio de Nova Venécia vem cuidando da frondosa árvore que, nesta época do ano, fica apinhada de flores como que anunciando que em breve estará carregada de doces frutos.

Gostariamos de deixar registradas algumas sugestões. Esta árvore é um ponto turístico da cidade e como tal deve ser valorizada e divulgada. O fato dela existir, nos dias de hoje, no centro de uma cidade dinâmica como Nova Venécia, por si só, significa uma grande vitória pela preservação ambiental.

Deve-se retirar o latão de lixo que repousa ao lado da árvore, maculando a visão de quem a contempla. Além disso, muito importante, será a colocação uma placa próxima à árvore sinalizando que ela é protegida por lei e que é testemunho da evolução urbana da cidade. Para finalizar um novo canteiro com um belo jardim poderá ser construído em volta da mesma valorizando e protegendo seu tronco.

Na cultura dos antigos indígenas botocudos, as árvores possuiam um significado muito especial, fato atestado por etnólogos e historiadores. Membros da família Cardoso registram que a sombra da mangueira era local de repouso e descanço para os nossos indígenas, quando passavam por "Barracão" (Nova Venécia).

Ali se alimentavam de seus frutos e honravam a mãe natureza. Por isso que o Projeto Pip-Nuk tomou como símbolo esta árvore que por si só representa a vida. Vida que queremos para toda população e para nosso meio ambiente.

domingo, 8 de junho de 2008

Era uma vez o "Casarão dos Escravos"

Para quem não "conheceu", a edificação retratada nesta foto feita em fins da década de 1950, era a casa-grande, sede da antiga Fazenda da Serra dos Aymorés.
A fazenda foi instalada entre 1870-1873 pelo major Antônio Rodrigues da Cunha (mais tarde agraciado com o título de Barão de Aymorés) para produção de café, cereais e gado, no que então fazia parte do "sertão" do município de São Mateus.
Considerada marco zero da colonização do braço sul do rio São Mateus ou Cricaré (região que abrage o município de Nova Venécia) todos conheciam-na melhor com o nome pelo qual foi popularmente batizada, "Casarão dos Escravos", uma referência a mão-de-obra escrava utilizada em sua construção.
Apesar do "Movimento Cultural de Nova Venécia" ter iniciado uma campanha para sua preservação/restauração por volta de 1981 e de ter sido aberto um processo de tombamento no Conselho Estadual de Cultura em 1984, esta sede típica de fazenda, exemplar raro da arquitetura rural de fins século XIX em nosso Estado, agora só existe na memória de quem a conheceu ou em fotografias que já vão ficando amarelas pela ação destruidora do tempo.

Situava-se na localidade de "Serra de Baixo" dentro da Área de Proteção Ambiental da Pedra do Elefante, onde ainda existem uns poucos vestígios de sua presença, estes fadados a desaparecer se não houver alguma intervenção.

Perdeu-se este patrimônio arquitetônico devido a inércia dos governos (federal, estadual e principalmente municipal) e da sociedade (brasileira, capixaba e principalmente veneciana), um verdadeiro descaso com nossa memória.

Apesar desta conjuntura negativa este monumento, desaparecido, já se enraizou no imaginário da população e, mesmo extinto, continua sendo símbolo da luta pela preservação cultural em Nova Venécia.

sábado, 31 de maio de 2008

200 anos da guerra contra os botocudos

"Família de índios botocudos atravessando um rio" Autor: pintura:Maximilian von Wied-Neuwied. Data: 1815-1817. Fonte: Livro "Viagem ao Brasil" do príncipe Maximilian von Wied-Neuwied publicado originalmente em 1820.

Por Sérgio Danilo Pena e Regina Horta Duarte*

Dois eventos importantes da história brasileira ocorreram no dia 13 de maio. O mais famoso e justamente festejado ocorreu em 1888: a assinatura, pela princesa Isabel, da Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil. O outro, bem menos conhecido, aconteceu 80 anos antes e também envolveu um príncipe, mas não é nenhuma causa para comemoração.

Em 13 de maio de 1808, exatamente há 200 anos, o príncipe regente dom João (bisavô da princesa Isabel) assinou uma carta régia mandando "fazer guerra aos índios botocudos". O que levou dom João, que fugira de um conflito europeu, a iniciar uma nova guerra quase imediatamente após chegar ao Brasil? Quem eram os botocudos, percebidos como ameaçadores ao ponto de motivarem uma guerra contra eles?

O nome "botocudo", derrogatório e ofensivo, foi dado pelos portugueses a diversos povos histórica e geneticamente heterogêneos do grupo lingüístico macro-jê que habitavam o nordeste de Minas Gerais, o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo. Em comum, tinham o hábito de usar discos de madeira no lábio inferior e nos lóbulos das orelhas para expandi-los de forma peculiar.

As rolhas dos barris de vinho português eram chamadas botoques – origem do cognome botocudos. Nômades e caçadores-coletores, caracterizavam-se por extrema belicosidade. Os botocudos não toleravam a presença dos lusos invasores e usavam táticas de guerrilha para atacar fazendas, matar colonos e aterrorizar todos os que se aproximassem de seus territórios. A carta régia os acusa de "praticar as mais horríveis e atrozes cenas da mais bárbara antropofagia, ora assassinando os portugueses e os índios mansos por meio de feridas, de que sorvem depois o sangue, ora dilacerando os corpos e comendo os seus tristes restos". Hoje, a maioria dos estudiosos acreditam que esse canibalismo pode nunca ter ocorrido. Por que a guerra contra eles? Pelo domínio do território que ocupavam.

Com a exaustão crescente dos depósitos auríferos em Minas Gerais, os portugueses se voltavam para a exploração da terra no interior do país. A chegada de dom João agudizou a situação: eram necessários víveres para alimentar a corte e estradas para transportá-los. Surgiram, assim, novos impulsos para a expansão das fronteiras da civilização. As terras brutas do nordeste de Minas, então cobertas de mata atlântica verdejante, eram o alvo e o prêmio, mas elas também abrigavam os irredutíveis botocudos. De certa maneira, e com alguma liberdade de comparação, o nordeste de Minas era então o que a Amazônia é nos dias de hoje.

Obviamente, os portugueses venceram a guerra, usando pólvora e aço. Os índios que sobreviviam eram escravizados. Também foram usadas armas biológicas -roupas e cobertores impregnados de vírus de varíola eram deixados na floresta para uso e contaminação dos índios.

Como escreveu o barão Johann Jakob von Tschudi, naturalista suíço que visitou a região por volta de 1860: "Os portugueses adotaram os meios mais infames para atingir esse objetivo. [...] Nenhuma nação européia se rebaixou tanto para manchar seu nome e sua honra como Portugal".

Mas ele adiciona: "Nos últimos tempos, apesar de já existir uma Constituição brasileira, que, infelizmente, tem sido implementada de forma muito precária, a guerra de destruição contra os índios na província de Minas Gerais ainda continua".

Hoje, os botocudos não existem mais. Seus descendentes, os índios krenak, somam poucas centenas de indivíduos. Tampouco há florestas verdejantes no nordeste de Minas. Predomina o semi-árido e a região é uma das mais pobres do Estado.

Ensina a sabedoria popular que quem ignora sua história está condenado a repetir os mesmos erros. A guerra contra os botocudos é um episódio importante da nossa história, com mensagens relevantes para a moderna sociedade brasileira. Assim, no dia 13 de maio, ao celebrar a abolição da escravatura pela princesa Isabel, também devemos nos lembrar da carta régia de seu bisavô, o futuro dom João 6º, que perseguiu, escravizou e matou botocudos, levando à virtual extinção de um conjunto de bravos povos indígenas.




* Extraído do jornal "Folha de São Paulo" de 13 de maio de 2008, coluna OPINIÃO, escrita por SÉRGIO DANILO PENA e REGINA HORTA DUARTE.

Fonte: http://www.fcaa.com.br/sitenovo/noticias/lernoticia.asp?retorno=listamaisnoticias.asp&cd_noticia=278 acessado em 31/05/2008.

ATENÇÃO!!!

Este blog é específico para difusão e estudo do patrimônio natural e cultural do município de Nova Venécia, bem como, tudo que norteia a sua cultura, memória e meio ambiente. A utilização, do material aqui disponibilizado (seja texto ou imagem), por qualquer veículo de comunicação, deve ser previamente solicitada ao Projeto Pip-Nuk por meio do e-mail: projetopipnuk@yahoo.com.br e jamais poderá ser publicada sem menção ao seu autor (quando houver) e ao respectivo blog.