sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A Casa de Pedra do Perletti

A Casa de Pedra fotografada por Cilmar Franceschetto em 1993 quando, apesar da avançada deterioração, ainda conservava suas principais caraterísticas.


A década de 1920 foi representativa para o desenvolvimento do Estado do Espírito Santo, com a realização de grandes obras nas áreas de transporte e viação públicas. Em especial, na gestão do Presidente do Estado Florentino Avidos. Nesse contexto de progresso, inserimos o Patrimônio Cultural Arquitetônico do Estado do qual trataremos nestas breves linhas.

Localizada na cidade de Nova Venécia, centro geográfico do norte do Estado, a “Casa de Pedra do Perletti” constitui-se de uma edificação com quatro paredes portantes em alvenaria de pedras brutas a vista. Em suas fachadas principais possuía portas e janelas de duas folhas encimadas por bandeiras de arco pleno vazado, sempre em madeira, intencionando imitar um gradil de ferro com seus recortes em serra-de-fita. A cobertura de duas águas era singular para a região por possuir telhas tipo francesas feitas em argamassa de cimento, impermeabilizadas com nata do mesmo material, na cor vermelho-xadrez. Segundo conta-se, essas telhas chegaram de navio a São Mateus, de onde foram transportadas para Nova Venécia.

O beiral era bem curto, quase inexistente, seguindo a tradição italiana, e possuía um acabamento com “galbo” sustentado por “cachorros” rústicos aparentes sem torneamento na fachada principal onde havia somente duas portas. Já os anexos possuíam portas de duas folhas com verga retilínea, enquanto as respectivas coberturas diferiam, sendo a do fundo, um prolongamento da água principal, complementada com telhas tipo francesa de cerâmica. O anexo lateral mantinha as mesmas duas águas do corpo principal, porém este um pouco mais baixo e possuindo telhas tipo colonial (capa-canal), popularmente conhecidas na região como “cumbuca” feitas de cerâmica.

A Casa de Pedra, construída entre 1925-1928 para abrigar “casa de máquina de pilar café a vapor” e “venda de secos e molhados” teve como seu primeiro proprietário o italiano Battista Perletti, cuja biografia ainda carece de maiores informações. Sabe-se que este comerciante veio para a antiga “Barracão” (nome pelo qual a vila de Nova Venécia foi popularmente conhecida na primeira metade do século XX) na época da construção pelo Estado da extinta “Estrada de Ferro São Matheus”, ligação entre a cidade do mesmo nome e Nova Venécia.

Na década de 1930 a edificação foi arrendada por diversos comerciantes locais, dos quais destacamos o Sr. Salvador Cardoso e o Sr. Manoel Papazanak. Entre o final dos anos 1930 e o início de 1940 o alagoano Sr. Waldemar de Oliveira tornou-se proprietário do imóvel. Neste período foram construídos anexos nos fundos e em uma das laterais, em alvenaria de tijolos, cujas fundações em pedra, do anexo lateral, ainda marcam a sua localização e, provavelmente, remontam ao tempo do Battista Perletti. Na área situada ao fundo da edificação ainda é possível observar um fragmento do muro de pedra que circundava todo terreno ao fundo da edificação.


Entre as décadas de 1960-1970 também funcionou no local uma oficina mecânica e uma fábrica de bebidas alcoólicas, das quais, alguns ainda se lembram dos nomes: “Fogo Capixaba” e “Fogo Mineiro”. Sabe-se que o rótulo trazia estampado um desenho da própria Casa de Pedra.
Na década de 1980, o imóvel ficou fechado e entrou em processo de deterioração. Neste momento tem início a campanha por sua preservação, quando o “Movimento Cultural de Nova Venécia” propõe a criação de um “Museu da História Veneciana” que seria ali instalado.


Outra perspectiva da edificação em 1993 ainda pelas lentes do fotógrafo Cilmar Franceschetto
Em 1994, por meio do decreto municipal nº 2.176/94, a Prefeitura desapropriou o imóvel dos herdeiros do Sr. Waldemar de Oliveira para transformá-lo num “Centro de Memória” abrangendo Museu, Biblioteca e Arquivo Municipal. No ano de 1996 foi contratado um projeto de restauração que, infelizmente, não saiu do papel. Na mesma época registra-se o desabamento parcial do telhado. Em 1999, por meio do processo nº 20/99-CEC, iniciou-se o tombamento do imóvel, cuja resolução do Conselho Estadual de Cultura nº 01/2003, inscrita no Livro do Tombo Histórico sob o nº 189, às Folhas 31v e 32, foi publicada no Diário Oficial em 12/03/2003.
O imóvel sofreu, durante o processo de tombamento, forte descaracterização devido a uma “reforma” promovida pela prefeitura no ano de 2000, sem o consentimento e acompanhamento do CEC. Nessa ocasião demoliram o anexo dos fundos e desapareceram com as poucas esquadrias de madeira originais ainda restantes. Além disso, reconstruíram a cobertura com características diferentes da original e ergueram paredes internas de lajotas, até então inexistentes.
Atualmente, a Prefeitura de Nova Venécia, proprietária do imóvel, captou financiamento federal para a restauração que, ressaltamos, deverá recuperar todos os detalhes arquitetônicos do imóvel, por tratar-se de um bem tombado em resolução estadual.
A edificação é um raro exemplar da arquitetura popular da imigração italiana, em alvenaria de pedra, no município de Nova Venécia e um dos últimos imóveis da primeira metade do século XX, remanescente no centro da cidade, e que atesta a evolução urbana da mesma. A Casa de Pedra do Perletti remonta ao tempo em que, a outrora “Vila de Nova Venécia”, então conhecida por “Barracão”, foi alcançada pelos trilhos da extinta “Estrada de Ferro São Matheus”.

Rogério Frigerio Piva
Historiador, natural de Nova Venécia e Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.


Nota: Uma versão resumida deste artigo, com o título “A Casa de Pedra de Nova Venécia” foi publicada na seção “Tribuna Livre” do jornal “A Tribuna” à página 25 da edição nº 22.825 do dia 12/09/2008.

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