Andando pelas ruas da cidade, observamos as pessoas. Notamos que possuem uma beleza singular. Seus olhos claros contrastam com a pele morena, ou, por vezes, os cabelos claros descobrem um olhar negro. Pudera! Nova Venécia se fez como terra de muitos povos.
Alguns aqui já estavam senhores deste chão, desta natureza que os protegia e alimentava. Depois vieram outros senhores da sociedade, com seus títulos de nobreza, para fazer produzir sobre a nova terra o café. Representante desta nobreza é o major Antônio Rodrigues da Cunha, agraciado com o título de Barão de Aymorés. Construiu sua fazenda na região onde existem os contrafortes da lendária “Serra dos Aymorés”. Sua casa-grande, conhecida popularmente como “Casarão dos Escravos”, foi palco dessa mistura de povos indígenas, africanos e europeus.
Os africanos trazidos à força para o trabalho escravo, não só construíram a riqueza dos nobres, como deixaram arraigadas na terra, seus costumes e suas histórias. Com o processo de abolição, a mão-de-obra imigrante se fez presente, demonstrando a coragem que possui quem deixa para trás sua terra, mesmo que em busca de novas expectativas, novos sonhos. Também participaram desta saga, nordestinos, mineiros e outros que compõem a nação que chamamos de Brasil.
Aos pés da pedra, hoje denominada, do Elefante, essa gente, de diferentes culturas, iniciou a construção de um povo. A pluralidade deste povo se faz presente em sua comida, que é uma mistura de cores e sabores. Além da polenta, da taiadella, da minestra e do pão caseiro, encontramos a carne de porco frita e acebolada, perfumando o entorno de nossas casas. Caminhamos um pouco mais e sentimos o cheiro do alho queimado, preparado para refogar a couve, influência dos mineiros. Entramos nas padarias e encontramos os biscoitos de polvilho, aqui chamados de “maluco”. Não podemos esquecer do cafezinho, dos biscoitos caseiros, do queijo mineiro, dos doces da roça, em especial, o de mamão verde.
Na época da Semana Santa é uma festa! O amendoim torrado espalha seu aroma, temperando as panelas de canjica, que não podem faltar. E tem a torta de palmito (ou repolho), influência portuguesa agregada à região. Quem resiste a uma terra com tantos sabores diferentes?!
Continuando nosso passeio nos deparamos com as varandas cheias de plantas e flores, as hortas nos quintais, as árvores dando sombra à tardezinha. Para quem vem de fora é um deleite observar a delicadeza desses quintais. Observa-se um tapete de retalhos em uma dessas varandas, fruto do artesanato local. Na sala da casa, almofadas em forma de coração. Na cozinha, panos de prato, marcados com tanta precisão. As mãos incansáveis de algumas mulheres da região, muitas vezes do interior do município, despertam em nós, um tempo de delicadeza. Ao passar em outras varandas, redes e cadeiras de madeira e palha, estas, feitas pelos Merlin, artesanato secular trazido da Itália por esta família e, que nos fazem lembrar das tardes em companhia de nossos avós. Pode haver sensação melhor?!
Como partes dos costumes da região, encontramos as festas populares, mistura de danças e folguedos, raízes de nossa cultura. Procissões, cantorias e missas compõem a festa da capela de Santo Antônio do Córrego da Serra, que ainda tem os caldos, os doces, as roletas de frango assado, as quadrilhas e os namoros (afinal, é Santo Antônio!). Despertam saudades também as festividades do padroeiro São Marcos.
Seu leão, que impõe tanto respeito, e está sob a forma de escultura de bronze, na fachada da Matriz, foi disputado com a colônia de Nova Veneza (SC), nos anos 1920. Nesta época o governo da Itália teria presenteado a cidade catarinense com tal regalo. No entanto, a tripulação do navio que trouxe o presente, ao aportar em Vitória, escala para os portos do sul, revelou que esse seria dado à “Nuova Venezia, America dell’Sud”. Pronto, a confusão estava armada! Aqui também tínhamos uma “Nuova Venezia”, ao oeste da velha cidade de São Mateus, para a qual, o leão foi enviado. Dizem que, ao saber do desvio do seu presente, os catarinenses pensaram até em se armar, caso fosse necessário, para vir buscar o seu leão de bronze. Mas era tarde, esse fora tomado nos braços pela nossa população. A questão somente foi resolvida quando a Itália enviou outro leão, que até hoje também guarda a fachada da Matriz de São Marcos, na cidade de Nova Veneza, em Santa Catarina.
Escutamos música ao longe, além das influências baianas e cariocas, nos deparamos com nossas raízes sertanejas. Mas temos também música composta em nosso município, cheirando a terra molhada pela chuva, depois que, nas orações, pedimos a Deus o fim da estiagem. Basta buscar para ouvir o som da Lira Matheus Toscano, do Coral Italiano Augusto Zaché, do Grupo Engenho Novo ou da Banda Última Hora (UH) e outras expressões musicais que aqui tiveram e devem ter vez.
Presenciamos ainda, a folia-de-reis e suas cantorias, que precisam ser resgatadas e divulgadas. É muito bom ver as janelas e portas se abrindo para a chegada dos cantadores do Jesus-menino. Suas músicas, seu colorido, seu ritmo, retratam a religiosidade de uma cultura composta de grande influência nordestina. Os autos religiosos, contando o nascimento, vida e paixão de Cristo fazem parte desse cenário cultural, como representação cênica maior e mais tradicional. Encenados por atores amadores, não podem faltar na Sexta-feira Santa.
É assim, da mistura de todos os povos, da união da concertina, da sanfona e do triângulo, dessa cultura ítalo-nordestina, com aspectos de africanidade, indigenidade, recebendo ainda influência mineira, pomerana e tantas mais, que se fez Nova Venécia. Não se pode deixar morrer estas tradições. Não podemos nos esquecer de quem fomos, dos que vieram antes de nós e abriram caminhos para que pudéssemos ir além. Precisamos resgatar o orgulho de ser veneciano!
Devemos cuidar de nossa cidade e admirá-la. Conhecer e preservar nossa memória e nossos costumes nos faz únicos em um mundo de cultura massificante. Quando sabemos quem somos, nos fortalecemos em nossa identidade. E assim, construímos cidadania.