Data de 1892 a criação do primeiro espaço público para sepultamentos no então sertão do município de São Mateus onde mais tarde surgiu a pequena vila, hoje cidade de Nova Venécia, localizada na região noroeste do estado do Espírito Santo.
Foto 01- O primeiro Cemitério Público de Nova Venécia, aqui em detalhe de uma das primeiras vistas panorâmicas da Vila de Nova Venécia feita em fins da década de 1920.
Por Rogério Frigerio Piva*
O ano era 1926. Uma segunda-feira, dezenove de julho. Passos lentos e silenciosos, por entre ruas, que eram então, apenas pequenos caminhos empoeirados que levavam ao alto, onde repousam os mortos. Três corpos conduzidos pela torrente de pessoas atordoadas, moradoras da vila e arredores que tentavam compreender a tragédia que se abatera sobre a pequena “Barracão”, nome simples pelo qual todos se referiam à vila de Nova Venécia na primeira metade do século XX.
Talvez jamais possamos conhecer a motivação da tragédia que levou à “morte violenta” de três jovens rapazes, um dia antes, nem tão pouco as circunstâncias. Muito pouco ou quase nada sabemos sobre eles ou sobre o que ocorreu naquele fatídico domingo, dia dezoito de julho de 1926.
Do pouco que sabemos consta que o primeiro a falecer foi João Rodrigues de Oliveira, às 07:00 horas, simplesmente “na rua”. Tinha somente 23 anos de idade, era solteiro e fruto da união entre a imigrante italiana Elisabetta Isachini com um brasileiro, tendo nascido aqui mesmo na região de São Mateus. O segundo, que atendia pelo nome de João Capucho, foi morto às 19:00 horas, do mesmo dia também “na rua” e era filho do casal de imigrantes italianos Angelo Capuzzo (atual Capucho) e Amália Bettin, tinha 20 anos de idade e era casado com Isaura Rodrigues de Oliveira, possivelmente, irmã de João Rodrigues de Oliveira, portanto, suposto cunhado deste. Já o terceiro, Loriano Rodrigues d’Oliveira, era menor, nascido em Minas Gerais, tinha somente 16 anos de idade e era irmão de João Rodrigues de Oliveira. Foi morto juntamente com o cunhado, João Capucho, às 19:00 horas “na rua”, ou seja, em algum daqueles caminhos empoeirados que, décadas mais tarde, se tornariam ruas ou avenidas no centro da cidade de Nova Venécia. Tanto Loriano quanto João Capucho eram lavradores, tiravam da terra seu sustento.
Mais nada conhecemos sobre eles, porém podemos imaginar o quanto pesou aos seus parentes e amigos conduzir jovens, que ainda estavam na aurora da vida, para seu eterno repouso, naquele que foi nosso primeiro cemitério público. Em que circunstâncias ocorreram às mortes dos três? As fontes não nos permitem supor. Mas conhecemos bem o local de seu repouso final e, apesar de ser ignorado às novas gerações, ainda permanece “vivo” na lembrança dos antigos moradores de Nova Venécia.
Histórias como a dos irmãos João e Loriano Rodrigues de Oliveira e seu cunhado João Capucho são apenas uma pequena amostra das inúmeras que repousam sob a terra no lugar onde dormem o sono eterno os primeiros colonizadores de nosso município. É preciso “exumar”, trazer a superfície, ao presente, suas vidas, suas tragédias para conhecermos um pouco mais sobre o cotidiano da colonização de nossa terra, algo que o estudo de nossos primeiros cemitérios pode nos fazer decifrar.
O primeiro lugar de sepultamento do qual se tem notícia no município foi provavelmente o antigo Cemitério Particular da Fazenda Boa Esperança, fundada por volta de 1876, pelo Coronel Matheus Gomes da Cunha, no local hoje conhecido por Serra de Cima. Além deste, existia também o Cemitério Particular da Fazenda Terra Roxa que pertenceu, originalmente, ao Senhor Constante Gomes Sudré e que, serviu até o final dos anos 1930 para sepultar todos os que morriam na região do Rio Preto e arredores, hoje limítrofe com o município de São Mateus, onde se localiza o Assentamento Zumbi dos Palmares.
Também havia um pequeno cemitério particular nas proximidades do Córrego da Boa Esperança, não muito distante de sua foz no rio Cricaré em terras que originalmente pertenceram ao cearense Manoel Simeão de Lima. Neste último, eram sepultados sobretudo os antigos cearenses que viviam nas proximidades. Próximo a este cemitério surgiu, anos mais tarde, uma capela dedicada a Nossa Senhora dos Anjos que depois foi transferida para a região da Água Preta.
Com a vinda de famílias de imigrantes italianos, a partir de 1888, para o vale do rio São Mateus, sobretudo para o seu braço sul ou rio Cricaré, o Governo da Província e depois do Estado, talvez sob o incentivo de fazendeiros, ampliou a partir de 1890, o Núcleo Colonial de Santa Leocádia criando a “Secção de Nova Venécia”. Por fim, devido a diversos fatores, dentre os quais a distância entre a seção e a sede do núcleo, no ano de 1892, foi oficialmente criado o novo Núcleo Colonial de Nova Venécia, ocasião em que se estabeleceu a sede do núcleo no morro que hoje se localiza no centro da cidade de Nova Venécia conhecido como Morro da Matriz.
Este foi o início da cidade e, provavelmente, do nosso primeiro cemitério público, criado para atender aos sepultamentos daqueles que morriam no núcleo colonial. Além dele, se instalou outro cemitério público, alguns quilômetros rio acima, na sede da Seção Pip-Nuk, a mais próspera da região, o Cemitério Público do Pip-Nuk. Este cemitério, algum tempo depois, também foi conhecido por Cemitério de São Sebastião em virtude da capela erguida pelos imigrantes italianos no sopé do morro onde se localizava. Esta antiga capela foi mais tarde transferida para o Córrego da Volta.
Foto 02 – Vista panorâmica da Vila de Nova Venécia em fins da década de 1920, o cemitério já ocupava o morro que seria conhecido como “da matriz” muito antes desta ser construída.
Quanto ao primeiro Cemitério Público de Nova Venécia, ele se localizava no lado oeste do morro da atual igreja matriz de São Marcos, quando ainda nem se sonhava com sua construção por ali, o que nos permite afirmar que nossos primitivos cemitérios tiveram sempre origem laica, considerando que não surgiram agregados a nenhuma igreja ou capela, ao contrário, tanto no caso de Nova Venécia, quanto de Pip-Nuk e também do Córrego da Boa Esperança, as capelas surgiram muito tempo depois, certamente motivadas pela proximidade do local de descanso dos entes queridos.
O nosso primeiro cemitério, ou melhor, “Cemitério Púbico de Nova Venécia”, como sempre foi denominado nos registros de óbito, tinha modestas dimensões: aproximadamente 36 x 37,5 metros. O local exato, hoje se encontra aos fundos da atual igreja matriz de São Marcos ao lado do Hospital do Dr. Brasileiro, na Rua Dr. Renato Araújo Maia, antiga Rua Guarapari, no Centro da cidade e atualmente é ocupado, em parte, pela Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, pelo presbitério da matriz e, mais recentemente, por um estacionamento de veículos da paróquia. Este último, destino não tão nobre para o local, onde repousam os pioneiros fundadores da cidade.
Suas dimensões, nos dias de hoje, podem nos parecer pequenas, mas, na época, eram adequadas o suficiente para o lugar, que tinha poucos moradores. Lembramos que a demanda de sepultamentos não era suprida somente por ele, pois, como dissemos anteriormente, havia outros cemitérios, cada qual atendendo a uma determinada zona.
O nosso primeiro cemitério público, com base na análise dos primeiros registros de óbito guardados no cartório de registro civil, que datam a partir de 1899 e, portanto, nos deixam uma lacuna de sete anos (1892-1898) da qual não possuímos registros, atendia ao sepultamento de todos que moravam na chamada região “beira-rio São Matheus” e os vales dos córregos: da Serra, Dourado, região da Santa Rita e, mais tarde, com o fechamento do Cemitério Particular do Córrego da Boa Esperança, todos os que morriam neste.
Segundo os dados da pesquisa que estamos desenvolvendo sobre os primitivos cemitérios da região de Nova Venécia, somente entre os anos de 1899 e 1909 o nosso primeiro cemitério público recebeu cerca de 50 sepultamentos dentre os de homens e mulheres, sejam crianças ou adultos. No livro nº 01-C de óbitos do cartório de registro civil consta o assento de nº 02 que é o primeiro a se referir ao “Cemitério Público de Nova Veneza”. É o de um bebê, com cerca de nove meses de vida que se chamava Francelino Ferreira de Souza. Ele faleceu no dia 14 de abril de 1899. Naquele ano (1899) foi registrado um total de 13 óbitos, dos quais, somente três foram sepultados em Nova Venécia.
Além do menino Francelino de nove meses de idade, constam o da jovem imigrante italiana registrada como “Luiza Frigerio de Azevedo” com 27 anos de idade, casada com um mineiro e que faleceu de “morte natural” em 23 de agosto de 1899 e o da senhora registrada apenas com o nome de “Sabina”. Ela faleceu em 08 de novembro de 1899 no “Córrego da Serra de Baixo” também com “morte natural”, porém estava com seus 90 anos e era natural de Itapemirim (ES) e, é possível que se tratasse de uma ex-escrava de alguma das fazendas da região. Seu registro foi o de nº 10. Naquele ano, a maioria dos sepultamentos se deu, não em Nova Venécia, mas no “Cemitério da Fasenda da Terra Roxa”, num total de sete, incluindo o primeiro assento do livro, dos treze registrados no ano de 1899.
Do período citado (1899-1909) o ano em que mais se sepultou no cemitério de Nova Venécia foi o de 1902. Neste ano, contrariando os anteriores, dos quais se tem registro e os posteriores até 1909, foram inumadas cerca de 10 pessoas do total de 50 que no período supracitado tiveram ali seu repouso final. Como não sabemos sobre os sete anos anteriores (1892-1898) o número de inumações até 1909 pode ter sido bem maior.
Foto 03 – Vista da cerca do primeiro Cemitério Público de Nova Venécia por volta de 1941. Ao fundo o morro onde hoje se encontram a escola Maria Rodrigues Leite e a garagem da Viação Águia Branca.
No presente momento nossa pesquisa ainda está em andamento, mas já recuperamos dados dos que foram sepultados no município até o ano de 1930, período no qual, percebemos o aumento no volume de sepultamentos, que fez com que nossa primeira necrópole alcançasse o início da década de 1950, às vésperas da emancipação política, estagnada com relação ao espaço e aos interesses da sociedade em seu entorno. Ao que tudo indica as lideranças locais não consideravam a possibilidade de que o cemitério continuasse a ocupar aquele local que era central para vida da cidade que estava nascendo.
O fim de nosso primeiro cemitério público não foi diferente do de muitas cidades brasileiras. Nossa primeira necrópole, além de pequena, com relação as que a sucederam, era também muito simples e nada monumental, expressava assim, o poder aquisitivo dos vivos que habitavam no seu entorno. Originalmente não possuía muros, somente uma cerca de madeira e um cruzeiro feito de madeira de garabu, próximo ao portão, também de madeira, de sua entrada que ficava no lado leste do cemitério, dentro do que hoje é a ligação entre a nave e o presbitério da igreja matriz de São Marcos.
Consta que, mais tarde, foi feito um muro neste lado do cemitério, porém os outros lados continuaram com cerca de madeira até a extinção do cemitério em 1960. As sepulturas, segundo relatos daqueles que tiveram sepultado nele seus entes queridos, eram montículos de terra adornados por cruzes de madeira ou ferro e, uma ou outra planta, comum, ainda hoje, em cemitérios como a popular “Espada de São Jorge” ou a “Açucena”. Túmulos construídos de cimento podiam ser contados a dedo e eram somente os de famílias abastadas como o da família sírio-libanesa dos Daher que, segundo relatos, ficava próximo à entrada do cemitério.
Entre os anos de 1938-1942 foi erguida, um pouco a frente do nosso primeiro cemitério, a saudosa “Capela de São Marcos” pelo Padre Zacarias que residiu em Nova Venécia por dez anos antes de se estabelecer em Barra de São Francisco. A partir de então, os moradores tinham aquela que foi a primeira igreja matriz, como local para velarem seus mortos de onde depois seguiam com o corpo para o cemitério. Antes, o velório era sempre feito em suas próprias residências, o que continuou a acontecer em muitos casos.
Foto 04 – Detalhe de “Planta Geral da Cidade de Nova Venécia”, datada de 1955, onde se observa a localização exata do primeiro cemitério aos fundos da primeira Igreja de São Marcos.
No início da década de 1950 o farmacêutico da vila de Nova Venécia, Sr. Zenor Pedroza Rocha, ganhou as eleições como prefeito de São Mateus, tamanha a importância que o então distrito de Nova Venécia detinha na política local. Foi durante este seu mandato que a prefeitura de São Mateus adquiriu o terreno para instalação do novo cemitério público da vila, fora dos limites da cidade. Em 1953 o distrito de Nova Venécia ganha independência do município de São Mateus. No início do ano seguinte (1954) é dada posse ao primeiro prefeito, Sr. Antônio Daher, por nomeação para um mandato de apenas um ano, dado que, naquele ano, foram feitas eleições para prefeito e vereadores. Em 1955, o Sr. Zenor Pedroza Rocha, que concluíra o mandato de prefeito em São Mateus, assume a recém-criada prefeitura, ainda muito carente de recursos materiais e humanos, e dá prosseguimento as obras do novo cemitério público da cidade.
Por volta de 1956 o novo Cemitério Público de Nova Venécia já está em funcionamento. Instalado fora dos limites da cidade, em um morro de condições desfavoráveis, devido à sua inclinação acentuada e por ser tangido na sua base pela antiga estrada que ligava Nova Venécia à Colatina, o que mais tarde gerou uma erosão que quase “devorou” parte do cemitério, chegando a expor alguns corpos, mas representou um grande avanço, pois possuía muros de tijolos e cimento e um belo portão de ferro.
Portanto, devem ter ocorrido no ano de 1955, os últimos sepultamentos, feitos no nosso primitivo cemitério público, que começa a ser denominado, desde então, como “Cemitério Velho” ou “Cemitério da Matriz”. Mas o fato que foi decisivo para o destino de nossa primeira necrópole foi a criação da Paróquia de São Marcos no ano de 1954.
Foto 05 – Detalhe de vista panorâmica da Vila de Nova Venécia no início da década de 1950, com destaque para a primeira Igreja de São Marcos e o nosso primeiro cemitério que ainda era utilizado para sepultamentos.
O interesse nas terras ocupadas pelo cemitério pode ser percebido desde 1956 quando o então prefeito, Sr. Zenor Pedroza Rocha, por meio da lei municipal nº 56 de 19 de Maio de 1956, “Concede para a Paróquia de São Marcos, toda a área do terreno, nos fundos da Igreja Matriz, assim como todo o terreno onde está encravado o Cemitério Velho”.
Desde 1956, o terreno do antigo cemitério já estava à disposição dos Missionários Combonianos que então organizaram a nova paróquia. Segundo o padre Carlos Furbetta, em seu livro História da Paróquia de Nova Venécia, às páginas 45 e 46, quando, em 1960, projetou-se a construção de uma nova e maior igreja matriz de São Marcos, os terrenos que foram sugeridos eram: o que ficava na outra margem do rio (além da ponte) onde se ergueu, no ano anterior, o Cruzeiro de Madeira pelos padres Redentoristas e o terreno ao fundo da então igreja matriz, que abrangia o antigo cemitério.
Foto 06 – Detalhe de vista dos arredores da cidade de Nova Venécia a partir da Rua Santa Cruz, em 1956, vendo-se ao fundo o novo Cemitério Público (o segundo) que mais tarde foi denominado de “Cemitério Senhor do Bonfim”.
A escolha foi óbvia por este último, porém mesmo tendo a posse definitiva do mesmo, foi necessário outro ato legal para prosseguir com os trabalhos. Através da Lei municipal nº 264 de 29 de Agosto de 1960, o então prefeito, Sr. Tito dos Santos Neves, alterou o 2º § do Artº 311 do Código de Posturas do Município de Nova Venécia que passou a ter a seguinte redação: “Antes de serem abandonados ou após interditados os cemitérios permanecerão fechados durante cinco anos, findo os quais, a sua área poderá ser destinada à construção de templos religiosos e seus anexos, parques e jardins, ficando proibido nas áreas dos mesmos toda construção para qualquer fim ´profano´”.
Ainda não foi possível encontrar o referido Código de Posturas em vigor à época, provavelmente uma adaptação do de São Mateus, porém supomos que o prazo estabelecido por este fosse de superior a cinco anos ou que este fosse omisso sobre a utilização dos terrenos dos cemitérios para outros fins que não os de sepultamentos.
O mesmo Padre Carlos Furbetta, destaca ainda no já citado livro: “A prefeitura com a lei nº 264 de 29-08-60 reconheceu o direito de construir na área do cemitério velho. Em setembro (1960) o trator entrou em operação. Na área esplanada até 12 metros do barranco em direção oeste, os restos dos cadáveres foram completamente exumados. Por nossa parte já desde o mês de abril vínhamos pedindo ao povo interessado que exumasse seus antepassados.”
Sabemos por relatos que, durante algum tempo no local terraplanado, foram encontrados restos humanos como ossos e cabelos, além de roupas e outros vestígios de sepultamentos. Os ossos então encontrados teriam sido levados ao novo cemitério e colocados em vala comum próximo ou sob o cruzeiro deste.
O saudoso padre Carlos Furbetta foi preciso e enfático em seu relato quando afirmou “Na área esplanada até 12 metros do barranco em direção oeste, os restos dos cadáveres foram completamente exumados.” Talvez seja isso que se acreditou, porém, evidências arqueológicas da existência de sepulturas ainda intactas vieram à luz entre fevereiro e março de 1995, quando da obras de reforma e ampliação do antigo Hospital e Maternidade Santa Clara do Dr. Brasileiro.
Éramos estudante no ensino médio quando tivemos a oportunidade de acompanhar e fotografar as evidências encontradas pelos trabalhadores após demolirem o muro de arrimo que separava a área do hospital da do terreno onde se encontra o antigo cemitério, para construção de uma rampa que atendesse as exigências do órgão de saúde.
Além de fragmentos de ossos e dentes que abundaram no local também se encontraram intactos os espaços funerários das sepulturas exatamente a sete palmos ou um metro e meio de profundidade. Num deles, até um crânio ainda se encontrava quase inteiro.
Foto 07 – Aspecto da escavação, em 1995, que evidenciou a existência de restos mortais “intactos” na área que era ocupada pelo primeiro cemitério de Nova Venécia, quando das obras de ampliação do “Hospital do Dr. Brasileiro”. Foto: Rogério F. Piva
Além de esclarecer o posicionamento das covas, direcionadas no sentido leste-oeste, em acordo com a posição do portão de entrada, o episódio demonstrou que o local é um sítio histórico-arqueológico que ainda abriga, ao menos em parte, devido à declividade do terreno, restos dos corpos que foram, um dia, ali sepultados. Mesmo após exumações individuais e a própria terraplanagem, à época de sua extinção-descaracterização (1960), estas, pelo que foi encontrado, não atingiu a parte mais baixa do terreno que, ao contrário, foi apenas soterrada com o entulho e a terra revolvida de outras partes.
Foto 08 – Dentre vários fragmentos de ossos e dentes, até um crânio foi encontrado em 1995, quando o velho muro de arrimo foi destruído para a ampliação do “Hospital do Dr. Brasileiro”. Foto: Rogério F. Piva
Para arqueologia um sítio funerário não é descaracterizado somente com a eliminação das evidências de superfície como cruzes e túmulos, pois, o que continua intacto no subsolo pode nos falar muito sobre os que aqui viveram antes de nós.
O segundo cemitério público de Nova Venécia foi inaugurado entre 1955-56, e somente teve sua denominação oficializada quando da inauguração do terceiro cemitério público no ano de 1983, pois com o desaparecimento do primeiro em 1960, ele era o único Cemitério Público de Nova Venécia.
Para evitar equívocos, o então prefeito Adelson Antônio Salvador aprovou a Lei Municipal nº 1.280 de 12 de agosto de 1983, “Que dá nome aos Cemitérios da Cidade” onde seus artigos esclarecem sobre o nome das atuais necrópoles: “Art. 1º - É atribuído o nome de “Cemitério São Marcos” ao Novo Cemitério Municipal em homenagem ao padroeiro do município; Art. 2º - Em decorrência do Artº 1º desta Lei, fica apelidado de “Cemitério Senhor do Bonfim”, o Cemitério Velho, presentemente desativado.”.
Portanto, no bairro Bonfim localiza-se o “Cemitério Senhor do Bonfim” onde se sepultaram e ainda sepultam os mortos da cidade e arredores desde 1956. A partir de 1983, no bairro Municipal I, foi inaugurado o “Cemitério São Marcos”, este, seguramente, o terceiro cemitério público na cidade de Nova Venécia.
Lembramos que cemitérios são “lugares de memória” por excelência. Negligenciá-los significa apagar nossa memória. Perder nossa identidade enquanto comunidade.
*Rogério Frigerio Piva é natural de Nova Venécia, Graduado em História pela UFES, Professor, Historiador. Trabalhou no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, onde ocupou diversos cargos entre 1998-2008. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - IHGES e da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais - ABEC, Autor e Editor dos Blogs: Projeto Pip-Nuk (www.projetopipnuk.blogspot.com) e COEMETERIUM (www.kimitirion.blogspot.com) e Desenvolve pesquisa sobre os antigos e extintos cemitérios no Vale do Rio Cricaré entre o final do século XIX e a 1ª metade do século XX.
OBS.: O presente artigo foi publicado no jornal "A Notícia" de Nova Venécia-ES nas páginas 04 e 05 da Edição Nº 2.706 - Ano XXIII de 01 de Novembro de 2012.